terça-feira, 21 de junho de 2011

PRUDÊNCIA NA AÇÃO E AMOR NO TRATAMENTO

Texto de leitura: Mt 7,6.12-14

Estamos no fim do Sermão da Montanha (Mt 5-7). O texto do evangelho que serve para nossa meditação de hoje é outra parte da conclusão do Sermão da Montanha (Mt 7). No texto de hoje Jesus nostrês lições importantes para nossa vida: viver na prudência; em cada ato praticado o outro deve ser levado em consideração (regra de outro); e o esforço na luta pela salvação (porta estreita).

No texto de hoje Jesus começa sua lição com as seguintes palavras: “Não deis aos cães as coisas santas, nem atireis vossas pérolas aos porcos; para que eles não as pisem e, voltando-se contra vós, vos estraçalhem” (Mt 7,6). Esta sentença enigmática, própria de Mateus, não tem nenhuma relação, ao parecer, com o que precede nem com o que segue (alguns especialistas colocariam o v.6 dentro do conjunto de Mt 7,1-4). Mas o que mais importante para nós é a lição escondida nessa sentença.

Cães e porcos eram animais impuros para os judeus. A quem, então, Jesus se refere quando fala de cães e de porcos? Muitos interpretam que cães e porcos representam os pagãos. Na verdade, os cães e os porcos não designam aqui categorias particulares de homens: pagãos, fariseus, certas pessoas desviadas, hereges e assim por diante. Cães e porcos ilustram bem, aqui, duas recusas características do Evangelho: primeiro, a inconsciência dos que em nenhum momento pressentem (não percebem) o valor do Evangelho, e segundo, a violência perigosa dos que, decepcionados por não encontrar nele (no Evangelho) um alimento de seu gosto, se voltam contra os que propõem a vida de acordo com o Evangelho. O conselho de Jesus no v.6 se encontra paralelamente no Livro dos Provérbios (Antigo Testamento): “Quem censura um mofador, atrai sobre si a zombaria; o que repreende o ímpio, arrisca-se a uma afronta. Não repreendas o mofador, pois ele te odiará. Repreende o sábio e ele te amará” (Pr 9,7-8).

A expressãoas coisas santas” designa com freqüência no Antigo Testamento as viandas (alimento) oferecidas em sacrifício e que somente os fieis podiam consumir “....para a expiação quando de sua tomada de posse e sua consagração. Estrangeiro algum comerá deles, porque são coisas santas” (Ex 29,33-34; cf. Lv 2,3;22,10.16; Nm 18,8.19).

O paralelismo coisas santas - pérolas demonstra que a primeira dessas expressões deve ser entendida como uma imagem que designa o que é infinitamente precioso e pertence exclusivamente a Deus. “As pérolassão imagem daquilo que tem um grande valor ou precioso (cf. Mt 13,46).

Não deis aos cães as coisas santas, nem atireis vossas pérolas aos porcos; para que eles não as pisem e, voltando-se contra vós, vos estraçalhem!”. Através deste conselho Jesus nos ensina a vivermos na prudência. Esta é a primeira lição do evangelho de hoje.

A palavra prudência provém do latim “prudens-entis” que, na acepção própria, significa precavido, competente. Prudência é virtude que faz prever, e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela, precaução. A prudência é a capacidade de ver, de compenetrar-se e de ajustar-se à realidade. A prudência oferece a possibilidade de discernir o correto do incorreto, o bom do mau, o verdadeiro do falso, o sensato do insensato a fim de guiar o bom rumo de nossas ações. O prudente jamais se precipita no falar nem no agir sem conhecimento da causa ou da realidade. Tendo conhecimento da causa ou da realidade ele fala com cautela. A prudência é a faculdade que nos permite vermos e aprendermos a realidade tal como é. A prudência é o modo de viver dos sábios, pois o homem sábio é sempre guiado pela prudência. Por isso, o sábio dificilmente machuca os outros.

A segunda lição que Jesus noshoje é esta: “Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. Nisto consiste a Lei e os Profetas” (Mt 7,12). Trata-se de uma regra de conduta e é considerada como a regra de ouro. A regra de ouro era conhecida na antiguidade. Em Heródoto lemos: “Não quero fazer aquilo que censuro no próximo” (Heródoto, 3,142,3). Na sabedoria de Confúcio (551 antes de Cristo) lemos: “Não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você”. Encontramos também esta regra nos ditos do famoso rabi Hillel: “Não faças a ninguém aquilo que te é desagradável; isso é toda a Torá, ao passo que o mais é explicação; vai e aprende!”.

Esta regra de ouro nos ensina que em tudo que falarmos (comentarmos) ou fizermos a vida e a dignidade do outro devem ser levadas em consideração. Às vezes acontece que machucamos muito os outros porque ainda temos muitas feridas dentro de nós que ainda não são curadas. E muitas vezes avaliamos o outro a partir de nossas feridas e não a partir da própria realidade das coisas. Por trás de uma pessoa brava e grosseira, há uma pessoa frustrada (veja neste blog a reflexão sobre FRUSTRAÇÕES E ESPERANÇA RENOVADA).

O verdadeiro cristão faz muito mais além da regra de ouro. Ele é chamado e é enviado a fazer o bem ao próximo independentemente da retribuição ou do reconhecimento. Ele sempre age com um amor gratuito e de qualidade sem medir esforços, porque ele tem consciência clara de que ele é amado por Deus deste modo. Ele é sempre solicito e serviçal. Trata-se de a opção ou do estilo de vida com Deus traduzido na convivência fraterna com os demais. Todo trato cordial e fraterno jamais se baseia na lei de retribuição muito menos acontece por mera formalidade. O cristão existe para fazer o bem, e se não o fizer deixará de existir em Jesus Cristo que “passou a vida fazendo o bem” (At 10,38).

A terceira lição dada por Jesus no evangelho deste dia é esta: “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ele! Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram”! (Mt 7,13-14). Estas palavras de Jesus recordam aquilo que Moisés falou, no Livro de Deuteronômio, para o povo eleito quando acabou de expor a Lei: “Olha que hoje ponho diante de ti a vida com o bem, e a morte com o mal. Mando-te hoje que ames o Senhor, teu Deus, que andes em seus caminhos, observes seus mandamentos, suas leis e seus preceitos, para que vivas e te multipliques, e que o Senhor, teu Deus, te abençoe na terra em que vais entrar para possuí-la.  Se, porém, o teu coração se afastar, se não obedeceres e se te deixares seduzir para te prostrares diante de outros deuses e adorá-los, eu te declaro neste dia: perecereis seguramente e não prolongareis os vossos dias na terra em que ides entrar para possuí-la, ao passar o Jordão.  Tomo hoje por testemunhas o céu e a terra contra vós: ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a I tua posteridade, amando o Senhor, teu Deus, obedecendo à sua voz e permanecendo unido a ele. Porque é esta a tua vida e a longevidade dos teus dias na terra que o Senhor jurou dar a Abraão, Isaac e Jacó, teus pais (Dt 30,15-20). 

Moisés falou de vida e de morte; Jesus, que olha mais para além da vida neste mundo, fala de “vida e perdição”. Moisés mandou paraescolher o caminho”; Jesus mandaentrar pela porta estreita”, tomar o caminho que leva à vida. Moisés fala desta vida; Jesus fala da vida eterna da qual alcançarão os que seguem a senda estreita.

Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida!”.  O verbo grego paraapertado” usado em particípio se usa também para indicar aflição, tribulação e perseguição. São os obstáculos  que tem que ser superados quando se recorre “a senda estreita”.

Não percamos a ideia de “caminho”. A vida do cristão se concebe como umcaminho” (cf. At 9,2;13,10;18,25 etc.). Não se improvisa, recorre-se pouco a pouco com uma tensão contínua até o Pai. O amor nos faz encontrarmos Deus face a face um dia. Não precisaremos mais da e da esperança no momento em que estivermos face a face com Deus na eternidade. Como disse um pregador: “A e a esperança nos levam até a porta do céu. Mas o que nos faz entrar nele é o amor, poisDeus é amor’ (1Jo 4,8.16)”. 

Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida!”.  No Evangelho de João Jesus se apresenta como porta: “Eu sou a porta; quem entrar por mim será salvo” (Jo 10,9). O cristão se esforça por ser fiel a Deus e aos princípios evangélicos como solidariedade, fraternidade, igualdade, justiça, amor, bondade, solidariedade em vez de egoísmo, agressividade, violência. A santidade é a forma normal de viver os ensinamentos de Cristo no cotidiano. Mas para tudo isto se exige muito esforço.

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2011
Vitus Gustama,SVD

·        Deus não condena quem não pode fazer o que quer, mas quem não quer fazer o que pode” (Santo Agostinho, Serm. 54,2).

·        Não é bastante afastar-se do mal; é preciso ser bom. Deixar de roubar o alheio não basta, é preciso dar do que é seu. Deves afastar-se do mal a ponto de fazeres o bem (Santo Agostinho, In ps. 33,2,19).

·        Não andes averiguando quanto tens, mas o que tu és” (Santo Agosinho, Serm. 23,3).

·        Guarda interiormente tua inocência, onde ninguém violenta tua causa (Santo Agostinho, In ps. 37,21)

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