24 de
Mt 13,44-52
O Evangelho deste domingo nos traz as três últimas parábolas do discurso de Jesus sobre o Reino dos Céus em parábolas : a dupla parábola do tesouro escondido e da pérola preciosa (Mt 13,44-46), e a parábola da rede de pesca (Mt 13,47-50). E Jesus termina o discurso com uma conclusão (Mt 13,51-52). As três parábolas são próprias de Mt (também se encontram no Evangelho Apócrifo de Tomé). Os três têm exatamente a mesma introdução , que revela seu propósito : manifestar o mistério do Reino de Deus .
A experiência do amor de Deus por nós é um dom incalculável
As inúmeras guerras , que aconteceram em Palestina , levavam muitas pessoas a enterrar seus tesouros valiosos por motivo de segurança contra os ladrões . Pode acontecer que o proprietário do tesouro morra sem revelar a ninguém o lugar onde foi escondido o tesouro .
Os personagens das duas primeiras parábolas (tesouro escondido e pérola preciosa ) são respectivamente um “homem ” (v.44) e um “comerciante ” (vv.45-46). Ambos descobrem um bem extraordinário : um tesouro em um campo , no primeiro caso , e uma pérola , no segundo . O primeiro descobriu, por acaso , o tesouro ao trabalhar em um campo . Para dizer que o descobrimento do Reino de Deus não é devido ao esforço humano , mas à revelação ou ao descobrimento de Jesus, entendido como projeto que leva à plenitude a própria existência . Jesus sai ao nosso encontro . O segundo procura , intencionalmente , a pérola preciosa e a encontrou. Para dizer que é preciso a participação do próprio homem na descoberta do valor do Reino de Deus . O homem deve sair ao encontro de Jesus para ter a experiência com Deus a fim de chegar à própria plenitude como ser humano .
Na experiência dos dois personagens o descobrimento de um valor precioso muda a vida de ambos , e os leva para a mesma decisão : “vender tudo o que tinham” e “comprar ” o objeto que “encontraram”. E o dito objeto relativiza o resto . Para o homem da primeira parábola representa uma fonte de alegria por ter encontrado um valor incomparável . Para o comerciante significa o abandono de sua profissão porque , com a aquisição da pérola preciosa que ele procurava, deve interromper a cadeia de sua atividade .
Do ponto de vista de um homem que busca o sentido de sua vida , o tesouro de sua existência ou de sua vida é como uma utopia : não sabe onde está, nem sequer sabe se está em algum lugar ou em nenhum lugar . A busca é um esforço para encontrar algo que não se tem. Quem busca reconhece uma carência de algo . É uma atitude humilde por si mesma .
Nesta busca o homem somente conhece a inquietude de seu coração , porque “onde está teu tesouro , ai estará também teu coração ” (Mt 6,21). Um homem que ainda não encontrou seu tesouro fica inquieto e busca incessantemente um sentido para sua vida . O coração errático do homem , sua vontade , pode, nestas circunstancias, fixar-se em qualquer coisa e agarrar-se a ela como se tivesse encontrado seu tesouro . Mesmo assim , ele continua inquieto, pois o tesouro do homem não é qualquer coisa . O homem pode ter tudo , mas se carecer o essencial , ele continuará inquieto.
A busca do Reino de Deus é compreender uma certa carência essencial em nossa vida , carência que nos impulsiona a sair de nós mesmos e não repousará até que encontremos essa realidade que faz completo nosso ser . Por isso , não é a riqueza , nem o êxito , nem o poder , nem a fama , mas o próprio Deus é o tesouro supremo do homem que o faz completo . Escondido no nosso mundo , coberto pela carne crucificada de Jesus de Nazaré, perdido entre os pobres , identificado com eles , está o tesouro do homem . Jesus é o “lugar de Deus ”, e o irmão , o próximo é o “lugar ” de encontro com Jesus. O próximo se transforma, então , em ocasião de salvação. Não é nada que o homem pode alcançar por si mesmo e somente para si mesmo , pois ele foi feito por Deus e para Deus na convivência fraterna com os outros . Por isso , Santo Agostinho rezava: “... Senhor , inquieto está o nosso coração , enquanto não repousa em Ti” (Confissões I,1). O homem só se encontrará , somente chegará à sua plena realização na medida em que ele buscar e viver e conviver de acordo com o Amor que é Deus (cf. 1Jo 4,8.16).
O homem que encontrou o sentido de sua vida em Deus é um homem alegre e dinâmico , como os dois homens na parábola que encontraram seu tesouro . Por este tesouro , ele é capaz de se desprender de tudo , de se despojar de tudo , de compreender a fraqueza do outro , de perdoar , de reconciliar-se com todos , de ser justo e honesto nos seus negócios , de ser correto e coerente no seu modo de ser , pois sua vida é direcionada por este supremo valor . A busca do Reino de Deus modifica nosso esquema de vida e não pode ser levado adiante sem uma absoluta sinceridade de coração . A busca do Reino de Deus é compreender uma certa carência essencial em nossa vida .
Nesta parábola , nem o homem que encontrou o tesouro nem aquele que descobriu a pérola sentem falta do que antes possuíam e que venderam. A riqueza do que acharam é de tal ordem que compensa tudo o que tinham. A mesma coisa acontece com os que descobrem ou encontram o seu caminho pessoal para Deus : abandonam tudo e encontram tudo , porque Deus é tudo . Quem , pela mensagem de Cristo , encontra Deus , renuncia jubilosamente a tudo . Tal verdade somente pode ser experimentada pela própria vida . Por isso , eles podem renovar tudo , acabar com a rotina de sua vida e começam a olhar mais longe e mais alto . E quem encontra Cristo expande a alegria e o otimismo para todos .
A vocação de seguir Jesus, Deus-conosco que é o nosso supremo tesouro sempre exige renúncia e uma mudança na conduta com alegria . Implica a entrega a Deus daquilo que se tinha reservado para si , e se abandonam os apegos, as fraquezas que se supunham intocáveis e que , no entanto , é preciso destruir para adquirir o tesouro sem preço . Se Jesus nos chama , também ele nos dá as graças necessárias para segui-lo durante a nossa vida .
A eucaristia é também um tesouro escondido. Tanto que passa despercebida , inclusive para nós que freqüentamos a missa com assiduidade . Escondida em coisas triviais como pão e vinho está nada menos que todo insondável amor de Deus a todos nós . Só teremos a experiência do amor de Deus , se nós começarmos por demonstrar amor a nossos irmãos , especialmente aos mais débeis. Se descobrirmos a eucaristia como tesouro , se a apreciarmos, estaremos plenos de alegria e a nossa eucaristia resultará verdadeiramente em festa , em ação de graças .
E nós , já descobrimos esse tesouro ? Desde que descobrimos Cristo , o que mudou na nossa vida , no nosso modo de pensar e de falar , e no nosso relacionamento com os outros e com as coisas ? Que renúncias que temos que fazer ainda ? “Onde está o teu tesouro , aí está também o teu coração ” (Mt 6,21). Será que por algum bem material , ou alguma posição social abandonamos Cristo , o nosso tesouro incalculável ? Muitos são os esforços que fazemos para encontrar o que nos falta : trabalho , dinheiro , prazer , cultura e assim por diante . Hoje podemos nos perguntar se existe o mesmo esforço para encontrar a Verdade no sentido de uma verdadeira visão da vida . Sem dúvida nenhuma, esta é uma das crises mais profundas de nossa cultura : tem-se de tudo , mas carece-se do essencial : uma visão geral do homem no cosmos que lhe permite situar-se como homem .
Esta parábola praticamente no seu conteúdo repete a parábola do joio no meio do trigo (Mt 13,24-30). As duas parábolas orientam-se para o fim dos tempos , pois as duas tratam do julgamento final .
A imagem da pesca ilustra a dinâmica do Reino de Deus feita de perdas e ganhos . Uma vez a rede lançada ao mar , a pescaria já não depende da vontade do pescador . Cada lançada de rede é uma surpresa . A seleção será feita somente no final da pescaria , quando os peixes bons são colocados em cestas , enquanto os não comestíveis são jogados fora . Na lista dos animais impuros que os israelitas não tinham direito de comer (Lv 11) está dito que se pode comer tudo o que se move na água e que tenha escamas e barbatanas ; os outros animais aquáticos são impuros e portanto proibidos (Lv 11,9-12). Uma parte dos peixes jogados fora deve ter classificado como animais aquáticos proibidos (impuros ).
A pesca representa a oferta do Reino que se faz a todos . São muitos os que entram nele, mas a chave está no como se vive a vida . No Reino de Deus , como no mundo e na Igreja , é inevitável a presença simultânea de bons e maus . Todos podem ser batizados e nominalmente se chamam cristãos e a todos se oferece o Reino de Deus através do Evangelho e do seguimento de Cristo . É inevitável também a variedade de respostas de uma para outra pessoa . A seleção acontecerá no fim .
Jesus diz que “assim acontecerá no fim dos tempos : os anjos virão para separar os homens maus dos que são bons . E lançarão os maus na fornalha de fogo . Aí eles vão chorar e ranger os dentes ” (vv.49-50). A expressão “choro e ranger de dentes ” se repete várias vezes em Mt (8,12;13,42.50;22,13;24,51;25,30) e uma vez apenas em Lc (Lc 13,28). Esta expressão sublinha a frustração definitiva do homem pela perda da vida eternamente . A parábola propõe, então , aos seguidores de Jesus a sorte final , para orientá-los na decisão presente . O paraíso é a certeza para quem responde a chamada de Deus para sua plena realização gradativamente . Com efeito , a não-salvaçao é apenas uma possibilidade para quem opta por ele . O problema não está em Deus , mas está no homem que não sabe lidar com a própria liberdade .
Vitus Gustama, SVD
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