sábado, 6 de agosto de 2011

JESUS NÃO NOS ABANDONA

Reflexão para XIX Domingo do Ano Litúrgico A

Domingo, 07 do Agosto de 2011

Mt 14,22-33

           
Depois da multiplicação dos pães para saciar uma grande multidão (Mt 14,13-21) Jesus despede a multidão e manda seus discípulos a embarcarem para a outra margem. Mas o próprio Jesus “subiu a um monte para orar sozinho”. Mateus só se refere à oração de Jesus por duas vezes: aqui e no episódio do Getsêmani (cf. Mt 26,36): em ambos os casos, a oração precede um momento de prova para os discípulos.
         
Evidentemente quando Jesus está só para orar, os discípulos estão sozinhos no barco em viagem para outra margem do lago. A viagem acontece à noite. E no meio da escuridão acontece a tempestade que agita o barco e dá medo para os discípulos. Certamente no meio da tempestade Jesus aparece andando sobre as águas.
         
Esta passagem do evangelho é um retrato do que estava acontecendo com a comunidade de Mateus para quem seu evangelho foi dirigido. Sabemos que o Evangelho de Mateus foi escrito na década de 80 durante a qual a comunidade cristã primitiva perdeu o seu entusiasmo inicial por Jesus e pelo seu Evangelho e que vive uma fé cômoda, instalada, pouco exigente. Acontecem as dificuldades como as perseguições e contrariedades. O medo dos discípulos revela a fragilidade de sua fé diante das forças da opressão, do egoísmo, da injustiça. Mateus usa algumas expressões que denotam essa situação. O “barco” representa a comunidade (Igreja). A “noite”, durante a qual os discípulos fez sua viagem, representa as trevas, a escuridão, a confusão, a insegurança na sensação da ausência do Senhor.  As “ondas fortes”, que agitam o barco, representam a hostilidade do mundo contra os cristãos. Os “ventos contrários” representam a oposição, a resistência do mundo ao projeto de Jesus que quer que todos vivam como irmãos e não como rivais. Diante dessas situações os discípulos de Jesus se sentem perdidos, sozinhos, abandonados, desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar essas dificuldades. Precisamente, nessas dificuldades é que Jesus manifesta a sua presença. Ele vai ao encontro dos discípulos “caminhando sobre o mar” (Mt 14, 26), para dizer que com Jesus tudo é possível.  Por isso, nesta passagem Mt usa a expressão: “Eu Sou”. Esta expressão “sou eu” reproduz a fórmula de identificação com que Deus se apresenta aos homens no Antigo Testamento (cf. Ex 3,14; Is 43,3.10-11); e a exortação “tende confiança, não temais” transmite aos discípulos a certeza de que nada têm a temer porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte e da opressão, acompanha permanentemente a caminhada dos discípulos para chegar à sua meta: a comunhão plena com Deus na vivencia fraterna com os demais. O mundo pode se apresentar poderoso, mas um dia tem um fim.
          
Por isso, o relato tem um final feliz. Ele começa com a separação dos discípulos de Jesus logo depois da multiplicação dos pães, e termina com o reencontro- reunião com Jesus no mesmo barco. Podemos dizer: acontecem o encontro, o desencontro e o reencontro entre Jesus e seus discípulos. E os encontros com Jesus produzem sempre uma mudança qualitativa naqueles que são encontrados: no primeiro caso, opera-se uma passagem do medo para a fé, e no segundo, da dúvida e da pouca fé para a solidez e para a plenitude da fé.
         
Estendamos um pouco mais nossa meditação sobre alguns pensamentos do texto do evangelho lido neste dia!

1. Oração e ação devem estar unidas na nossa vida
           
Depois de despedir as multidões, Jesus subiu ao monte, para orar a sós (Mt 14,23)

           
Depois que Jesus ensinou a multidão, saciou sua fome, libertou-as de suas necessidades e carências, Jesus foi para um monte para orar a sós: “Depois de despedir as multidões, Jesus subiu ao monte, para orar a sós” (Mt 14,23). Com esta frase, Mateus quer colocar novamente em destaque a importância da oração na vida dos cristãos a exemplo de Jesus.
       
Ao olhar para o modo de viver de Jesus, percebemos a dupla dimensão de seu ministério: a oração e a ação, a solidão e a solidariedade, a intimidade mais profunda com o Pai e o engajamento mais radical no serviço dos necessitados. Em Jesus as duas dimensões são vividas não só como complementares, mas como necessariamente referidas uma à outra.
          
Enquanto Jesus está se retirando para orar, os discípulos se encontram no meio da noite lutando contra a tempestade. Que diferença entre a serenidade de Jesus em oração e as dificuldades encaradas pelos discípulos no meio do mar. Jesus necessita sempre descobrir a vontade do Pai nas novas circunstâncias. Nos momentos de triunfo quando tudo aparece sorridente, Jesus busca o Reino de Deus na oração silenciosa e humilde. Sua oração não é evasiva. Ele olha para o Pai sem esquecer os homens.
       
O exemplo de Jesus serve para todos nós, porque de alguma forma é fácil confundir a vontade de Deus com nossa conveniência. A vida se põe na oração e a oração se traduz na vida. A vida antes de ser vivida, é rezada.
       
Há três fundamentos nos quais se apóia o edifício cristão a exemplo de Cristo: palavra, ação e oração. Se faltar um dos três tudo se desmorona. Os três são da igual importância, pois são aspectos de uma mesma realidade: o amor do homem para com Deus no amor vivido na convivência com o próximo. Rezar/orar é estar com quem se ama. O amor tende a se expandir e a comunicar-se.

2. Pedro pede a Jesus que possa também andar com ele sobre as águas: preço da fé em Jesus Cristo
           
Senhor, se és tu, manda que eu vá ao teu encontro sobre as águas (Mt 14,28).
         
No Antigo Testamento caminhar sobre as águas é o próprio de Deus; é uma característica de Deus, ou um atributo próprio de Deus (Jó 9,8; 38,16). O caminhar sobre as águas é uma espécie de epifania do poder divino que reside em Jesus Cristo. Por esta razão o que Pedro pede a Jesus para andar sobre as águas é muito forte. Ao pedir a Jesus para andar sobre as águas, na verdade, Pedro está querendo participar na força de Deus.
       
Jesus consente que entremos na comunicação de seu poder com fé, com amor e com generosidade, que participemos na força de Deus com fé. Por isso, Jesus responde a Pedro: “Vem!”.
       
Mas Pedro quase afundou. Pedro quer participar do poder de Jesus, mas não se conhece e não sabe que esta participação significa também compartilhar as provas de Jesus, deixar-se agitar pelo vento e pelas águas da vida. Pedro imaginava que seguir a Jesus para participar no seu poder fosse fácil. No reconhecimento de sua fraqueza ele grita: “Senhor, salva-me!”. O seu grito de socorro revela o fato de que Pedro não conhecia a si mesmo. Ele se julgava capaz de qualquer coisa. Mas em determinado momento, a fraqueza fala muito mais alto do que a própria arrogância. Nesse momento ele aprende a pedir a ajuda do Outro (Jesus). O seu grito de socorro também revela o fato de que ele também não conhecia Jesus, porque, a um certo momento, não mais confiou nele, não entendeu que Jesus era o Salvador. Felizmente, onde sua fraqueza se manifesta, Jesus está ali para salvá-lo. O gesto de Jesus que estende a mão para salvar Pedro do perigo mortal evoca as imagens bíblicas do AT, especialmente dos Salmos, em que o Senhor estende a sua mão direita para salvar o orante que o invoca nos momentos de angústias e que se encontra no perigo da morte (cf. Sl 18,17;32,6;69,2.5;144,7;Is 43,2 etc.).
       
Muitas de nossas experiências que não são interiorizadas revelar-nos-ão seu significado quando acontecer uma experiência mais marcante na nossa vida, como aconteceu com Pedro que não se conhecia. Seguir a Jesus significa participar no seu poder e compartilhar as provas do seguimento. Reconhecer as próprias fraquezas é dar espaço para Jesus agir na nossa vida, pois ele é o Deus que salva. A arrogância geralmente nos impede de pedir a ajuda aos outros. Quem pedir a ajuda é porque quer ser forte. Quem não aceita a Judá por causa da arrogância se desmorona aos poucos e sofre a solidão.


3. A presença de Jesus na nossa vida é uma presença suave, amiga, humana e misteriosa

            Homem fraco na fé, por que duvidaste?”
           
Pedro quase afundou porque ele olhava muito mais para as águas agitadas do que para o Senhor que estava próximo dele. Diante das forças das ondas Pedro duvidou. É uma dúvida que equivale à falta de fé, falta de confiança na Palavra de Deus: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”. Aqui Pedro é a figura de quem confunde o entusiasmo com a fé. A fé de Pedro busca seu apoio mais no milagre do que na palavra de Jesus. A fé é, na verdade, uma abertura total a Deus e uma confiança absoluta em Sua Palavra, mesmo nas necessidades mais extremas da vida. Por isso, nossa fé depende da verdade de nossa relação com Deus. A fé dos cristãos é medida nos momentos de provações ou de prova. O verdadeiro triunfo do cristão é o triunfo da fé em um Deus que conduz a história além das aparências. A fé em Jesus Cristo vence o mal (cf. 1Jo 5,4), mas sua primeira vitória deve acontecer no nosso próprio interior vencendo nosso orgulho.
       
A atitude de Pedro é verdadeiramente paradigmática. Nela se personifica e simboliza todo caminhar até Jesus. É um caminhar que não está isento de dúvidas (cf. Mt 28,17; Rm 14,1.23) porque junto à certeza e segurança absolutas que a Palavra de Deus garante, está o chamado de sair de nós mesmos para o que não vemos (cf. Hb 11,1). Somente uma fé perfeita, como a de Abraão que saiu de sua terra para o desconhecido (cf. Gn 12,1-9) acreditando exclusivamente na Palavra de Deus, supera o risco humano na segurança divina.
       
A presença do Senhor no meio da tempestade de nossa vida é uma presença suave, misteriosa e humana (cf. 1Rs 19,9-13). É uma presença de sussurro, uma presença de um amigo que acompanha e oferece sua mão. A presença de Jesus próximo do barco que se encontra no meio da tempestade quer nos dizer que Jesus Cristo está sempre conosco em todos os momentos de nossa vida. Mas, infelizmente, muitas vezes acreditamos muito mais na presença de um fantasma (Mt 14,26) do que na presença do Senhor com a mão estendida para nos salvar. A presença de Jesus na nossa vida é uma presença que nos oferece sua companhia e sua amizade sustentando nossa caminhada inclusive quando as dificuldades da vida nos impedem de avançar.
       
Por isso, a passagem do evangelho deste dia para nós é um convite a crer, um convite a escutar as palavras que o próprio Senhor nos transmite como lemos no Salmo 85(84),9: “Quero ouvir o que o Senhor irá falar: é a paz que ele vai anunciar”. Também é um convite a orar. Orar/rezar é colocar-se diante do Pai, diante de Jesus, diante de nossa realidade, nossas ilusões, nossos desencantos, nossas pobrezas e nossas esperanças. Orar/rezar é uma manifestação de nossa esperança em Deus, nossa confiança em seu amor e nosso desejo de que Sua vida cresce em nós e em todos os homens. Rezar é saber levantar nossas mãos vazias para Deus, não somente como gesto de súplica, mas também de entrega de quem se sabe pequeno e necessitado de salvação. A fé é “caminhar sobre as águas agitadas”, mas com a possibilidade de encontrar sempre a mão do Senhor que nos salva do afundamento total.
       
Por isso, um autêntico falar de Jesus somente é fruto do falar com Jesus, de crer nele como triunfador da morte e Senhor da existência, de experimentar em nós a evidência de seu amor salvador e da força que nos infunde. Não é o medo que nos faz unidos na Igreja e sim a esperança que nos invade. O Corpo e o Sangue do Senhor é que nos mantêm firmes na fé e sustentam nossa caminhada e nossa esperança apesar de tudo.

Vitus Gustama, SVD

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