sábado, 27 de agosto de 2011

NOVO COMEÇO COM JESUS

Reflexão Para o XXII Domingo Do Ano Litúrgico A

Domingo, 28 de agosto de 2011

Texto de Leitura: Mt 16,21-27
          
É preciso ler os versículos anteriores do texto do evangelho deste dia para perceber sua continuação ou sua seqüência (cf. Mt 16,13-20). Nos versículos anteriores Pedro professou sua fé em Jesus dizendo: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Mas não basta proferir a fórmula certa sobre a identidade de Jesus. Importa compreendê-la dentro do espírito do próprio Jesus. Pedro, sob o influxo da revelação do Pai acertou a identidade de Jesus, mas a compreendeu a seu modo e nisso foi corrigido com palavras duríssimas por Jesus logo que Jesus falou do anúncio de sua paixão (Mt 16,22-23). Jesus quer que os discípulos façam o mesmo caminho de Jesus. Por isso, Jesus convida os seus discípulos a segui-Lo pelo mesmo caminho, apresenta-lhes as condições para segui-Lo (Mt 16,24), os motivos das condições em forma de ditos paradoxais (Mt 16,25-26) e termina com o anúncio da vinda escatológica do Filho do Homem para julgar os homens, onde os discípulos são convidados a entrar na glória futura (Mt 16,27).

1. Anúncio da Paixão, reação de Pedro e repreensão de Jesus (vv.21-23)
          
Nos evangelhos sinóticos encontram-se cinco vezes o anúncio da paixão de Jesus: três em forma bastante desenvolvida (Mc 8,31-33 e par.; Mc 9,30-32 e par.; Mc 10,32-34 e par.) e dois outros são mais breves: um coloca no fim do relato da transfiguração (Mc 9,9;Mt 17,9), e outro encontra-se no episódio de Getsêmani (Mc 14,41;Mt 26,45).
           
O Evangelho de hoje começa com estas palavras: “Desde então, Jesus começou a mostrar a seus discípulos...”(v.21). Aparentemente esta frase não tem nenhuma importância para nós, por isso não nos chama a atenção. O evangelista Mateus repete novamente o que disse em Mt 4,17 (para o início da missão na Galiléia). Ele quer enfatizar o novo começo na vida e no destino de Jesus a partir de Cesaréia de Filipe onde Pedro professou sua fé em Jesus (Mt 16,13-30) e com este novo começo Jesus pretende abrir os olhos dos discípulos para a nova caminhada. Por isso, ele usa o verbo “mostrar” para indicar a intenção de revelar um desígnio escondido do plano de Deus (cf. Ap 1,1). Trata-se do acontecimento da revelação última e definitiva.
          
Optar por um novo começo significa deixar espaço ocupado até então, um espaço, por ser conhecido, dá segurança e partir rumo ao desconhecido, ao inseguro com muita fé porque Deus nos chama, como Ele chamou Abraão a sair da própria segurança, da própria pátria rumo para a terra estrangeira/desconhecida apostando totalmente em Deus (cf. Gn 12,1ss). Não é fácil ouvir o chamado de Deus. Nossa insegurança, nossa hesitação e nossa grande afirmação fazem com que percamos a confiança em nossa voz íntima e fujamos de nós mesmos. Mas sabemos que Deus nos fala através da nossa voz íntima e que somente encontraremos alegria e paz se a seguirmos. Na verdade, o nosso espírito está disposto a obedecer, mas a nossa carne é fraca (cf. Mt 26,41).
          
Concretamente, para Jesus o novo começo, a nova virada significa ir a Jerusalém ao encontro dos seus adversários, enumerados em três poderes que formavam o Sinédrio no tempo de Jesus: os anciãos, que são grandes latifundiários, representam o poder econômico; os sumos sacerdotes, que são de aristocracia sacerdotal, representam o poder religioso e os escribas que representam o poder intelectual (v.21). O poder econômico, o poder religioso e o poder intelectual opõem-se a Jesus, e estão decididos a eliminá-lo. E Jesus, ao enfrentar a rejeição, a condenação, o sofrimento e a morte, permanece fiel ao projeto salvífico de Deus. Uma vez disse “sim” a Deus, não mudou jamais para um “não”.
          
A virada ou o novo começo na vida de Jesus “desde então” exige também uma virada, um novo começo, uma nova conversão dos seus seguidores, todos nós.
          
Mas Pedro, que acabou de professar sua fé em Jesus como “Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16), ainda segue o esquema de pensar deste mundo que dá mais valor ao poder, ao dinheiro,  à honra e pompa do que à simplicidade, à verdade, à retidão e à humildade. Ele quer este tipo de Deus. Por isso, da boca de Pedro saíram estas palavras: “Deus não permita tal coisa, Senhor. Que isso nunca te aconteça!” (v.22).

A veemente recusa de Pedro nos revela duas coisas: Por um lado, revela o amor de Pedro ao Mestre. Ele não quer ver seu Mestre sofrer. Mas nem sempre nossa boa intenção está de acordo com a objetividade. Até, às vezes, a boa intenção pode atrapalhar. Por outro lado, revela, ao mesmo tempo, que Pedro não havia compreendido ainda em profundidade a pessoa e a missão de Jesus; que ainda não havia chegado ao fundo do mistério de Cristo que o amor que se dá ao Pai e aos homens deve ser até o extremo, até as últimas conseqüências, até a morte na cruz. A sua fé na messianidade de Jesus é ainda uma fé tradicional, que associa o Messias ao poder e à glória e em nenhum momento ao sofrimento e à morte. As esperanças messiânicas tradicionalmente eram de caráter de glória e de poder. Esperava-se um Messias totalmente político e triunfalista, instaurador da nação. Para Jesus a fé dos discípulos tem de ser purificada e aprofundada até se tornar uma fé que reconheça em Jesus o Messias na forma do Servo sofredor.
          
Até aqui podemos tirar a seguinte lição: Se formos sinceros, deveremos reconhecer que, no fundo, pensamos e reagimos da mesma maneira que Pedro, de maneira tipicamente conformista: conforme os valores e critérios do mundo e não segundo as palavras e as práticas de Jesus. Muitas vezes estamos anestesiados com os hábitos. Por isso, não admitimos a entrada de uma novidade na nossa área de hábitos, embora esta novidade pode nos fazer crescer na maturidade. É bom ter sucesso, como desejou Pedro e como todos desejam. Mas nada pode desviar um cristão da fidelidade ao Evangelho, mesmo que para isso alguns interesses ou prestígio tenham que ser contrariados. O maior prestígio de um cristão é trilhar fielmente o caminho traçado por Jesus Cristo. No entanto, como Pedro, nós podemos professar nossa fé em Cristo Jesus, mas muitas vezes imediatamente depois disso negá-la com o nosso comportamento, opondo-nos com todas as forças e todos os meios, inclusive os da invocação do nome de Deus em vão. Para São Paulo, estas reações são as reações do homem carnal, do homem velho (cf. Rm 7,14ss;8,5ss).
          
Diante da veemente recusa de Pedro, Jesus o corrigiu com palavras duríssimas: “Sai da minha frente! Para trás Satanás!” (v.23). A resposta de Jesus é uma resposta indignada porque o que está em jogo é algo de uma importância e de uma gravidade suprema para ele. Quanto maior for perigo, maior também se tornará a bronca/repreensão. Aqui Jesus usa as mesmas palavras que usou para responder à terceira tentação do Satanás no início do seu ministério (Mt 4,10). Agora no fim do seu ministério vem Pedro desempenhando o papel próprio de Satanás ao tentar desviar Jesus de sua missão. Nisso Pedro é a encarnação do Adversário (Satanás). Opor-se à vontade de Deus e, em última análise, ser agente de satanás, é fazer o jogo de Satanás. Por isso, Jesus dá a Pedro a mesma resposta que dera ao Tentador no deserto.
          
Jesus indica a Pedro que ele é apenas um seguidor. Por isso, seu lugar não é na frente, mas detrás de Jesus, no seguimento de Jesus. A palavra “seguir” já indica o lugar atrás de quem é guia ou mestre. A pretensão de Pedro de se colocar na frente é desmarcada por Jesus. E esta pretensão é considerada como um jogo do adversário (satanás). Com isso, Pedro se torna pedra de tropeço no caminho de Jesus. Por isso, essas palavras servem como convite para Pedro para que ele volte a ocupar o lugar do discípulo, a trilhar os passos marcados por Jesus. Porque ficar na frente de Jesus significa obstaculizar o caminho de Jesus. Por trás das palavras de Jesus está o texto de Is 55,8: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos”.
         
Vamos nos perguntar e vamos verificar nossa consciência: quantas vezes desempenhamos o papel de Satanás na nossa vida, como por exemplo: levar  alguém a fazer algo que não é certo do ponto de vista cristão ou a levantar o falso testemunho etc. Em segundo lugar, para estarmos bem com Deus e com os outros, devemos saber o nosso lugar. Qual é o meu lugar? “Quando Jesus passar eu quero estar no meu lugar”, assim cantamos muitas vezes nas nossas celebrações. Se eu não ocupar o meu lugar e não reconhecer o lugar do outro, acabarei criando a desordem na convivência. “A paz de todas as coisas é a tranqüilidade da ordem. A ordem é a correta disposição das coisas semelhantes e das coisas diferentes, em virtude da qual cada uma delas ocupa o lugar que lhe é o próprio”, dizia Santo Agostinho (De civ. Dei. 19, 13,1).
          
Pedro e cada um de nós temos de nos converter sempre de novo, dar uma virada e um novo começo para que o caminho de nossa vida seja o de Deus e não o nosso, assim encontraremos a nossa felicidade e paz. Temos que mudar sempre do nosso modo de pensar (metanoia) para que os nossos pensamentos não sejam os nossos, mas os de Deus. Só assim enxergaremos bem o nosso caminho e resolveremos melhor os nossos problemas. Enfim, no silêncio de nossas orações e reflexões, temos que buscar sempre de novo qual é a vontade de Deus em nossas vidas e praticá-la. Se nos chamamos de cristãos, devemos então, imitar a vida de Jesus. A vida de Jesus foi nutrida da vontade de Deus. Ele disse: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra” (Jo 4,32).
          
Se perseverarmos no amor de Jesus, no seu seguimento, nas suas exigências, passo a passo e dia a dia, acabaremos compreendendo o mistério de sua pessoa e de sua missão e acabaremos também descobrindo e compreendendo a nossa verdadeira identidade. E quem opta por seguir a Jesus encontra um centro para sua vida fora de si mesmo.  Não gira mais em torno do próprio “Eu”, dos gostos individuais e dos próprios interesses e das vantagens pessoais. Mas o centro de sua vida está doravante na vontade de Deus manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. Assim é que podemos entender as exigências de Jesus de negar a si mesmo, de tomar a cruz e de segui-Lo. Quando Deus se torna centro, o cristão se torna bom e correto consigo mesmo e com os outros. Será que Jesus é o centro de nossa vida ou ainda giramos em torno de nós mesmos?

2. As condições do seguimento de Jesus
          
As exigências do seguimento de Jesus são repetidas seis vezes com variantes maiores e menores nos quatro evangelhos (Mt 16,24ss;Mc 8,34ss;Lc 9,23s;Jo 12,24ss;Lc 14,27;Mt 10,38s). Essa repetição nos indica a importância dada pela Igreja dos apóstolos a essas exigências.
          
Ao apresentar aos discípulos as condições do seguimento, Jesus não impõe, mas propõe: “Se alguém quer...” O seguimento não é uma imposição. Todos têm a liberdade de aceitar ou de recusar. Mas quem quer seguir verdadeiramente a Jesus, tem que assumir as exigências postas por ele. Tudo tem que ser tomado na base da liberdade, da obediência da fé e por amor.
          
A primeira condição é a renúncia: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...”(v.24a). Renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida nem uma “entrega dos pontos” nem por falta de opções. Antes de tudo significa a libertação da própria liberdade dos egoísmos a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus. O seguidor é chamado a colocar o próprio eu no centro do interesse. O centro de sua vida está doravante na vontade de Deus, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. E esta entrega tem de ser livre para poder ser feita na alegria, no entusiasmo e na generosidade. O seguidor é chamado à renúncia, a arriscar a própria vida, porque só assim poderá, como Cristo, chegar à glória que é a meta de todo caminho da cruz. Mas toda renúncia deve ter como base o amor. O sacrifício, a renúncia de si mesmo que não seja animado pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas uma tortura auto-infligida. A renúncia que Jesus pede não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. Tudo tem que ser feito por amor. Sem o amor, viveremos uma vida dupla. E este tipo de vida, não traz a alegria verdadeira nem para si nem para os outros.
          
A segunda condição é o “carregar a sua cruz” (v.24b). “Carregar a cruz” é uma expressão que os primeiros cristãos utilizaram muito para expressar sua união com Jesus na sua morte e ressurreição. É uma expressão relacionada ao mistério pascal de Jesus Cristo. Jesus pede ao seguidor o esvaziamento total de si mesmo, até a morte física, se for preciso. Quem não tiver esta disponibilidade, ainda não é verdadeiramente seguidor de Cristo. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão, pois o “mundo” tenta  crucificar e eliminar os seguidores de Cristo por todos os meios, como aconteceu com Jesus.
          
Depois dessas condições, Jesus mostra os motivos em forma de ditos paradoxais.
          
Em primeiro lugar Jesus afirma que quem busca egoisticamente, a todo custo, usando quaisquer meios, aproveitar, gozar e conservar a própria vida, acaba desperdiçando-a e perdendo-a (v.25).Querer guardar para si a própria vida é o caminho mais seguro para perdê-la. Pelo contrário, quem vive em função do serviço desinteressado aos outros na bondade e no amor, ele acaba encontrando a vida na sua plenitude, acaba ganhando a vida eterna. A vida só se encontra, doando-a. O próprio Jesus é o exemplo desta doação. Ele se doou até o fim a Deus e aos homens. O homem muitas vezes somente dá um pouco de sua vida. O verdadeiro cristão se doa tudo por amor.
          
No v. 26 Jesus repete o paradoxo anterior: “De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” Possuir os bens deste mundo não seria um mal em si mesmo, mas torna-se o maior dos males quando, por causa de tais posses, o cristão é impedido de seguir a Cristo. Jesus, certamente, rejeitou o “mundo inteiro” que o Tentador lhe oferecera, pois o preço da oferta era a idolatria (Mt 4,8s). “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (S. Afonso de Ligório). Ainda que alguém ganhasse o mundo inteiro(riqueza, glória, poder), a vida é efêmera. Na ótica da fé, todas as riquezas do mundo são insignificantes quando o que está em jogo é a vida em plenitude (eterna) que Jesus oferece aos que o seguem.
          
O fundamento último da nossa opção pelo seguimento incondicional de Cristo é a certeza, dada pela fé, de que o Filho do Homem virá um dia na sua glória (v.27). Ele terá a última palavra sobre o homem. Essa palavra será uma palavra de graça para quem segue a Jesus incondicionalmente. O juízo final torna-se, então, a medida para avaliar a existência histórica e ao mesmo tempo a bússola que orienta a vida do cristão nas escolhas justas e sensatas nesta vida.

P. Vitus Gustama,svd


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