sábado, 3 de março de 2012

NA ESCUTA DA PALAVRA DE DEUS EU ME DESCUBRO

Reflexão Para II Domingo Da Quaresma Do Ano B
Domingo, 04 de Março de 2012

Texto de Leitura: Mc 9,2-10
      
Naquele tempo, 2Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. 3Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. 4Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. 5Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 6Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. 7Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” 8E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. 9Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. 10Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizerressuscitar dos mortos”.
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O texto do Evangelho deste Domingo pertence à segunda parte do Evangelho de Marcos que fala do mistério do Filho do Homem: revelação do sofrimento de Jesus. Esta segunda parte é formada por três grandes seções: 1). O Caminho do Filho do Homem (8,31-10,52) na qual Mc enfatiza claramente sua Teologia da Cruz. Fala-se nesta parte três anúncios da paixão de Jesus que sempre termina com o anúncio da ressurreição. Para Marcos imitar Jesus significa seguir seu caminho. A expressão “no caminho” ocorre como refrão nesta seção. Jesus e seus discípulos estão “no caminho” (cf. Mc 8,27), e no fim, quando estão perto de Jerusalém, Bartimeu, depois que voltou a enxergar, segue a Jesus “no caminho” (10,52). “No caminho” os discípulos discutem sobre quem será maior (9,33-34). Jesus continua a “retomar seu caminho” (Mc 10,17) e conduz seus discípulos “no caminhorumo a Jerusalém (Mc 10,52). 2). Na segunda seção Jesus se encontra em Jerusalém (Mc 11,1-13,37). Nesta seção falam-se das discussões mais ou menos polêmicas entre Jesus e os círculos dirigentes de Jerusalém: sumos sacerdotes, escribas, fariseus herodianos, saduceus. Nesta seção Mc quer antecipar as motivações da condenação de Jesus. Esta seção termina com o discurso escatológico (Mc 13,1-37). 3). A terceira seção fala da paixão e ressurreição de Jesus (Mc 14,1-16,8).                                         
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 Mistério Da Transfiguração

O evangelho deste dia fala sobre a transfiguração de Jesus. O relato da transfiguração podemos encontrar também em outros dois evangelhos sinóticos (Mt 17,1-13; Lc 9,28-29), e numa versão independente dos evangelhos, mas somente fragmentária, que se encontra em 2Pd 1,16-18.      

A transfiguração de Jesus é a resposta de Deus ao escândalo causado nos discípulos, mostrando-lhes antecipadamente, ainda que seja num momento rápido, a glória de Jesus Cristo e a glória futura dos que seguem pelo caminho da cruz por causa de Jesus Cristo. A transfiguração anima os discípulos a seguirem Jesus no seu caminho apesar dos sofrimentos, pois a vitória está garantida para os que perseverarem até o fim (cf. Mt 10,22). A transfiguração é, então, a glorificação antecipada de Cristo na presença de seus três mais íntimos (Pedro, Tiago e João). Os discípulos somente superarão o escândalo da “necessidade” da Paixão depois da Páscoa e de Pentecostes: depois de verem Jesus na sua glória de ressuscitado e de serem fortalecidos pelo Espírito Santo (cf. At 2,1-13).

Com a transfiguração os discípulos encontram em Jesus as duas faces do mistério da salvação. De um lado, mostra-se a face que causa medo, pois falam-se do sofrimento, da humilhação e da morte. Ninguém quer sofrer. Todos lutam contra sofrimento, pois o sofrimento sempre significa um prenúncio da morte. Por isso, todos fazem qualquer coisa para ficar longe do sofrimento. Não é de admirar que mais tarde Pedro preferirá negar Jesus a confessar-se discípulo do mesmo por medo de ser morto (cf. Mc 14,66-72). Do outro lado, mostra-se a face gloriosa de Jesus: a ressurreição e a glória. Por essa razão, em cada um dos três Anúncios da Paixão acrescenta-se o anúncio da ressurreição “ao terceiro dia” (cf. Mc 8,31;9,31;10,34). O Deus de Jesus é Aquele que mostra logo no início o final feliz, e mostra logo a vitória final logo no início da luta. Ele mostra logo a vitória final de Jesus. A vitória garantida anima qualquer um a lutar até o fim sem se cansar. A vitória garantida lheforça para lutar até o fim.

Jesus leva consigo os três discípulos mais íntimos para “uma alta montanha” (v.2). A tradição cristã, desde, mais ou menos, o século III, identifica essa “alta montanhacom o Tabor. Na verdade, Mc não se preocupa com o sentido topográfico da “alta montanha” (de fato, o monte Tabor tem 400 m sobre o nível do Mediterrâneo, e 780 m sobre o lago de Tiberíades). Para Mc “montanha” significa lugar do encontro com Deus. E não precisa de lugar bem alto, no sentido literal da palavra, para alguém se encontrar com Deus, pois Deus está dentro da própria pessoa (cf. Mt 25,40.45; 1Cor 3,16-17). Mas como para escalar uma montanha é difícil, do mesmo modo é difícil também para nós entrarmos dentro de nós mesmos, na profundeza de nosso ser onde Deus habita (cf.1Cor 3,16-17). O homem chegou até a lua. Mas será que ele conseguiu entrar dentro de si para se descobrir quem ele é?

Na “alta montanha” Jesus se transfigurou (metamorfoseado) diante dos três discípulos. Embora seja tirado por alguns momentos o véu e as máscaras que ocultam o esplendor da glória de Jesus, os discípulos podem ver com seus olhos o que constitui a realidade mais profunda da pessoa de Jesus. A narração é rica em alusões ao AT. A “transfiguraçãoera um tema da Literatura Apocalíptica (Dn 12,3; cf. 1Cor 15,40-44;2Cor 3,18). As vestes brancas e resplandecentes eram símbolo da glória dos justos no céu (Dn 7,9). A brancura deslumbrante simboliza a glória da condição divina (cf. Mc 16,5).

Durante a transfiguração entram em cena duas figuras do AT: Moisés e Elias. Moisés representa a Lei do AT. Elias representa os profetas. Em outras palavras, os dois (Moisés e Elias) representam o AT na sua totalidade. Daqui em diante, a validade do AT se julga a partir de Jesus, pois Jesus é o ponto de chegada e a meta de todas as profecias e revelações do AT. Por isto, mais adiante, vai ter uma ordem da nuvem para que Jesus seja escutado.

Diante desta teofania Pedro reage dizendo: “Rabbi, é bom estarmos aqui. Façamos, pois, três tendas...”(v.5). O termo “Rabbi” em Mc somente sai da boca de Pedro (Mc 9,5;11,21), e de Judas (Mc 14,45). Rabbi era o título honorífico dos Mestres da Lei, fiéis à tradição judaica. Isto quer nos dizer que Pedro ainda está apegado à tradição antiga. Além disto, Pedro quer colocar os três no mesmo nível ao querer fazer três tendas para os três (Jesus, Moisés e Elias). Pedro se esquece de que em Jesus realiza-se tudo que foi profetizado no AT e ao mesmo tempo quer mostrar-lhe que Jesus inicia uma nova etapa em que o Reino de Deus entrou definitivamente na história humana e com Jesus o homem deve caminhar para sua realização plena (Mc 1,15).

A vontade de Pedro de querer fazer três tendas é interpretada com freqüência como uma nova tentativa de Pedro de deter Jesus em seu caminho rumo à Paixão, quase uma repetição daquilo que Mt relata (cf. Mt 16,22). Quem quer construir uma tenda, porque está cansado de caminhar. E por isso, quer fixar sua morada num lugar e não quer mudar-se dali. Pedro quer perpetuar alegria no monte sozinho com Jesus e outros dois colegas. Jesus, ao contrário, sempre está a caminho e quer que os seus façam a mesma coisa. É preciso caminhar para ver mais apesar das dificuldades da vida, mas sempre com o olhar fixo na esperada vitória. A glória de Jesus é inseparável da cruz, ainda que seja por um instante. É a revelação de um novo gênero de glória e de poder que exige muita renúncia, especialmente renúncia do poder que aterroriza e escraviza os outros.

Cristo é o espelho no qual contemplamos a glória divina. E nós, por nossa vez, devemos ser o espelho que, contemplando Cristo, reflete a glória divina para os outros. Mas não podemos somente refletir o que contemplamos. Precisamos nos transformar naquilo que contemplamos (cf. 2Cor 3,18;Rm 12,2). E todos são chamados a transformar o mundo atual em sua condição primordial onde somente havia a harmonia total. Caminhar com Jesus significa deixar as nossas seguranças, e optar pela vida através da morte.

A vontade de Pedro de querer fazer as três tendas recebe uma resposta que sai da nuvem. ”E da nuvem sai uma voz: ‘Este é o meu Filho, o amado; escutai-O’” (v.7). A nuvem é o sinal da presença de Deus nas teofanias do AT (cf. Ex 16,10;19,9;24,15-16;40,35). A declaração sobre a filiação divina e a amabilidade de Jesus repete a mesma revelação que aconteceu no momento do Batismo de Jesus (cf. Mc 1,11). Mas na transfiguração é acrescentada a exortação “escutai-O” (cf. Dt 18,15). O títuloFilho amado” (cf. Is 42,1;Sl 2,7;Gn 22,2.12.16 como inspiração do título) apresenta Jesus como o Messias esperado. Este título constitui a confirmação divina da confissão de Pedro em Mc 8,29. Daqui em diante Jesus é o único a quem os discípulos devem escutar (cf. Dt 18,15.18). Ao escutar Jesus, o discípulo chegará à vitória final.

Mistério Da Escuta

Queremos aprofundar um pouco mais sobre o mistério da escuta. A voz ressoa da nuvem, dizendo: “Este é o meu Filho, o amado, escutai-O”.

O episódio da transfiguração ilustra bem o papel central da escuta: da escuta da Palavra e, em geral, da escuta de Deus e da escuta do seu Espírito. Escutar significa tornar-se ou estar atento para ouvir ou aplicar o ouvido com atenção para perceber ou ouvir (Dicionário Aurélio).

A escuta é uma palavrachave que caracteriza toda a tradição do povo hebraico.  O piedoso israelita para se compenetrar da vontade de Deus repete dia a dia esta frase: “Escutai, ó Israel” (Dt 6,4;Mc 12,29). Segundo o sentido hebraico da palavra, escutar, acolher a Palavra de Deus não é somente prestar-lhe ouvidos atentos, mas abrir-lhe o coração (At 16,14), pô-la em prática (Mt 7,24ss) e obedecer-lhe (Lc 1,38: “Faça-se em mim segundo a Sua Palavra”). Essa é a obediência da que a pregação ouvida exige. Como diz São Paulo: “A procede da audição e a audição da Palavra de Cristo” (Rm 10,14-17). O drama do homem, na verdade, consiste em não escutar a Deus e a Sua Palavra. Ele diz no livro de Deuteronômio: Eu, Deus, pedirei contas a quem não escutar as palavras de quem pronunciar em meu nome (Dt 18,16.19). Por isso, Jesus declara feliz quem escuta a Palavra de Deus e a observa: “Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a observa” (Lc 11,28).  

A riqueza, o valor nutritivo da escuta de Jesus, vividos por qualquer um de nós é uma escuta que nos faz tremer, que nos arrebata porque diz respeito a nós, nos explica. Não é uma escuta passiva, um registro aborrecido como uma ata, ou uma aula sem interesse. Escutar significa descobrir o mistério de nós mesmos na escuta da Palavra de Quem é maior do que nós, que é o mesmo que criou o nosso coração, aquele que nele deposita seus segredos. Através da escuta da Palavra divina, a pessoa chega a ter a autocompreensão, a autenticidade, até a clareza do processo cognitivo de si e que ao mesmo tempo o toma por inteiro.

O mistério da escuta é, pois, uma revelação: revelação que nós somos chamados a aceitar, da condição humana. Quando nos abrirmos para o discurso divina, gratuito, cheio de benevolência, aprendemos que nós somos escuta, dom e que nós nos realizamos na gratuidade.

A escuta de Deus é a rocha da nossa certeza (Sl 89,27). A Boa Notícia consiste no fato de que Deus tem uma palavra para mim, para minha família, para meu casamento, para meu trabalho, para meus problemas, para minha angústia etc. e eu posso escutar esta palavra no silêncio e na paz. Eu me alimento desta escuta, eu cresço na e me realizo como pessoa. Eu  cresço junto a tantos outros que, como eu, formam a Igreja que caminha, escutando a Palavra de Deus.

Mas para termos a capacidade e uma atitude de escuta, temos que saber primeiro criar o silêncio. O silêncio nos ajuda, de fato, a calarmos em nós a fantasia, o nosso ser, e a limparmos da alma tudo quanto nos possa perturbar. É um silêncio que escuta, que acolhe, que se deixa animar. O silêncio cria ressonância à Palavra de Deus. Depois de se fazer silêncio, escuta-se melhor.

A pessoa que expulsa de seus pensamentos o Deus vivo, Aquele que é o único capaz de encher todos os espaços, o Único capaz de satisfazer seus anseios não consegue suportar o silêncio. Para essa pessoa, o silêncio é a marca terrificante do vazio. Para ela, qualquer palavra até a mais insípida parece ter o dom de libertá-la de uma prisão, de um vazio. Na verdade, cada um de nós é vítima da agressão externa de hordas de palavras, de sons, de clamores que ensurdecem o nosso coração, o nosso dia e até mesmo, às vezes, a nossa própria noite.
Quem quer escutar a Deus deve lutar para assegurar ao céu da sua alma aquele prodígio de um silêncio. depois de amor ao silêncio é que despertará a nossa capacidade de escuta.

Deus tem uma única palavra: Jesus Cristo. Numa única Palavra podem desabrochar outras. Basta cada um de nós escutar, ele vai amadurecendo. A Palavra vai à nossa procura. No silêncio a Palavra de Deus nos encontra.

O imperativo “Escutai-O!” dirige-se a todos os discípulos e para todas as pessoas que querem seguir Jesus. Para viver como comunidade dos eleitos de Deus é necessário escutar a Palavra de Jesus Cristo e viver dela.
     
Que tenhamos ouvidos atentos e coração aberto para acolher a Palavra de Jesus. “Escutai-O, pois ele é o Meu Filho amado”. De que modo você escuta Jesus Cristo diariamente? Quais são seus momentos de silêncio e de escuta da Palavra de Deus no seu dia a dia?

P. Vitus Gustama,svd

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