sexta-feira, 6 de junho de 2014

 
PENTECOSTES
ESPÍRITO SANTO COMO DOM E SEUS FRUTOS
08 de Junho de 2014
 

Textos: At 2,1-11; Rm 8,8-17; Jo 20,19-23
     

Celebramos neste domingo a festa de Pentecostes, festa do Espírito Santo. Pentecostes oufesta das semanasera a festa israelita celebrada sete semanas depois da Páscoa, quando terminava a colheita (Ex 34,22; Nm 28,26). Em alguns ambientes sacerdotais, no século II a .C a antiga festa agrícola de pentecostes tinha assumido um significado novo: era a festa comemorativa da aliança no Sinai onde Deus se manifestou culminando com a constituição do povo de Deus sobre a base de decálogo. A acolhida da Lei é a condição de vida para a comunidade renovada e santa.
   

Ao afirmar que O Espírito Santo tinha descido sobre os discípulos justamente no dia de Pentecostes, Lucas nos quis ensinar uma coisa: que o Espírito Santo tinha substituído a Lei antiga e  ele se tornara a nova Lei para os cristãos. Qual é a Lei do Espírito Santo ? É o coração novo, é a vida de Deus que, quando penetra no ser humano o transforma e produz naturalmente as obras de Deus. Quando o homem é permeado pelo Espírito Santo, nele acontece algo inaudito: ama com o mesmo amor de Deus. João chega até a dizer que o homem animado pelo Espírito Santo é simplesmente incapaz de pecar: “Todo aquele que nasceu de Deus não comete pecado, porque sua semente permanece nele; ele não pode pecar porque nasceu de Deus”(1Jo 3,9).
    

A narrativa da vinda do Espírito Santo nos Atos dos Apóstolos (At 2,1-11) é muito simples. Os discípulos de Jesus estão reunidos numa sala. Do céu vem um barulho, como de forte vendaval, e enche a casa. Aparecem línguas de fogo, que pousam sobre cada um. Esses elementos: barulho, vento e fogo, são típicos das manifestações de Deus. Significam que Deus está agindo.
     

O fato de tudo isso vir “do céu” indica o dom de Deus, isto é, o Espírito Santo não é uma invenção dos cristãos, mas um dom que lhes foi dado, conforme a promessa de Jesus(Jo 14,15-17). O ES não é um produto da sugestão humana. Ele é uma força irresistível que foge ao controle e às manipulações humanas. Ele sopra para onde quer(cf. Jo 3,8)
  

O que significa que o ES é um Dom ?
     

Primeiro, a descrição do ES como Dom enfatiza o fato de que estamos no Reino da Graça. Isto significa que Deus derrama seu Espírito e seus dons sobre o seu povo, não como promoção por suas realizações, mas na liberdade de sua misericórdia e graça. Deus não exige um pagamento velado em troca de seus dons. Seus dons levam a conseqüências que mudam a vida, sem quaisquer precondições, exceto a vontade para que recebamos o dom. O Dom do Espírito Santo, então, nos faz lembrar que não estamos vivendo num mundo calculista de benefícios conferidos em proporção às condições atendidas, mas no reino de um Pai gracioso, que derrama generosamente seu Espírito, em graça livre e incondicional para todos nós.
   

Segundo, a descrição do Espírito Santo como um Dom enfatiza o fato de que estamos no Reino dos relacionamentos dinâmicos, do movimento que vem de um doador para um receptor, de abertura de uma pessoa para outra. A palavra Espírito Santo é uma palavra que tem significado apenas num relacionamento. Ele é o que é e faz tudo o que faz apenas dentro de uma rede de relacionamentos divinos e divino- humanos.
   

Terceiro, quando descrevemos o ES como um Dom, estamos deixando claro que nos encontramos no campo pessoal. Um dom é um dom, no sentido apropriado da expressão, quando incorpora a intenção de um doador no sentido de dá-lo, e é recebido como dom apenas quando o receptor reconhece essa intenção. Uma vaca não dá o leite; o leite é tirado dela. O ES transmite e expressa o amor a todos nós e nós o recebemos, por isso é que ele é um dom. Quando Deus em Cristo nos doa o Espírito, ele nos doa nada menos que a si mesmo. Por isso, o Dom é um sujeito, vivo, atuante, que ama, soberano e livre.
   

Conforme o texto, o ES se manifesta simbolicamente comolínguas de fogo”. A língua é instrumento de comunicação, de fala, e dá origem à linguagem, que é o meio dos seres humanos se comunicarem. Mas São Tiago(Tg 3,1-10) alerta que a língua pode desviar o homem do caminho de Deus e pode transtornar sua vida e desvia a linguagem do seu uso correto.  Segundo São Tiago, a língua, por menor que seja, é uma força  devastadora capaz de pôr a vida a perder. O poder da língua pode sujar o corpo inteiro, tanto para quem fala como também o corpo no sentido de uma comunidade inteira. Temos impressão de que muita gente ainda não consegue domesticar a língua por isso causa a inquietação e o sofrimento em muitas pessoas.
   

O fato de o ES se manifestar simbolicamente comolínguas de fogonos leva diretamente ao seu significado que o dom do ES não é para a edificação pessoal, mas para a comunicação, e concretamente, para a comunicação da “boa notícia” do Evangelho, que transforma as relações e faz surgir a fraternidade e a partilha que podem proporcionar liberdade e vida para todos.
      

O efeito do dom do ES ou a ação interior e transformadora do ES torna-se externamente uma nova capacidade de comunicação: conforme o texto (At 1,4) “começaram a falar outras línguas”. Mas não se trata do fenômeno como falar em línguas que ninguém compreende. Falar em línguas incompreensíveis não comunica nada a ninguém. A linguagem foi feita para produzir comunicação entre as pessoas. Trata-se aqui claramente, do horizonte universal e ecumênico do novo povo mobilizado pela força unificante do ES. Poder-se-ia ver neste elenco de povos, reunidos para escutar a voz do ES na própria língua nativa, uma referência à dispersão dos povos e à confusão das línguas depois de Babel(Gn 11,1-9). A humanidade, dispersa e dividida depois da tentativa de construir um imperialismo religioso- político, é reunida pela força do ES que unifica os diferentes grupos humanos, respeitando e promovendo as características culturais, das quais a língua é expressão. Nem a força ou a repressão, nem a planificação econômica ou política podem assegurar a unidade dos povos ou dos grupos, mas sim o poder interior do ES, que promove com a liberdade e o amor novas relações e cria espaços alternativos de comunicação.
      

O ES produz unidade, ao mesmo tempo, promove diferentes maneiras de servir (1Cor 12,3-7.12-13). Ele é a força criadora de diferenças e de comunhão entre as diferenças. É ele que suscita entre as pessoas os mais diversos dons e nas comunidades os mais diferentes serviços e ministérios, como se ensina nas cartas aos Romanos (Rm 12) e aos Coríntios (12). Mas esta diversidade não decai em desigualdades e discriminações porque bebemos da mesma fonte que é o Espírito Santo (1Cor 12,13). Os dons não são dados para a autopromoção, mas para o bem da comunidade (1Cor 12,7). O Espírito Santo interfere para melhorar e não para atrapalhar a comunicação da Igreja de Jesus Cristo. A comunidade fundada em Pentecostes (no Espírito Santo) é um lugar de diálogo, de encontro, de comunicação, de unidade (não necessariamente uniformidade), de acolhimento. O erro não está em sermos diferentes. O erro está em sermos divididos. A comunidade nascida em Pentecostes não é o lugar da lei que mata, mas é o lugar do Espírito Santo, isto é, o lugar da abertura e da vida, do reconhecimento e do despertar, o lugar de uma libertação fundada no amor. O amor é o caminho para Deus, o único carisma realmente imprescindível na vida cristã, o carisma que jamais cessará.
     

O ES habita os corações das pessoas (1Cor 3,16), dando-lhes entusiasmo, coragem e determinação. Ele consola os aflitos e mantém viva a esperança. Ele nos consola, exorta e ensina como as mães fazem junto a seus filhinhos (Jo 14,26;16,13).
      

Outros frutos do Espírito Santo são o amor, a bondade, moderação e autocontrole, cortesia, mansidão e longanimidade, jovialidade e paz (veja Gl 5,22-24).
    

Segundo Gálatas, o amor que é o fruto do ES se expressa através de cordialidade, simpatia, coração bom. Trata-se de uma atitude típica da interioridade; é a disposição interior para o pensar bem, para o falar bem, para o agir bem. O amor traduzido com cordialidade, simpatia (simpatia vem do grego sumpáscho que significa igualar-se ao outro, ter uma atitude de profunda sintonia com o outro), coração aberto é a capacidade imediata de entender os sofrimentos e as alegrias de quem está perto de nós; é um coração espaçoso, raiz de toda a moral do NT. O amor é a virtude pela qual resplandecem até mesmo as coisas menores, e os gestos mais simples se tornam belos e construtivos. Tudo que se faz com amor, por pequeno que seja, se torna uma obra prima. E nada vale aquilo que se faz sem amor, por maior que ele seja.
   

A bondade é fruto do ES. A bondade é um reflexo da atitude divina. Ela é a prerrogativa daquele que se compraz em fazer por primeiro o bem, em suscitar sempre e somente o bem ao seu redor. Ela é uma qualidade criativa(tudo que Deus criou era bom. cf. Gn 1). Nossa bondade é nada mais que uma participação, no ES, da característica divina, e por isso, é bela, criativa, fascinante, capaz de suscitar uma sociedade nova. Nenhum coração resiste diante da bondade. Se a bondade é fruto do ES, então, ela é um dom a ser invocado, a ser implorado, dispondo-nos a acolhê-lo com humildade e reconhecimento.
    

Outro fruto do ES é a moderação. A palavra que se usa em grego é epieíkeia (ocorre 7 vezes no NT) que significa respeito, afabilidade, acessibilidade, moderação, flexibilidade e equilíbrio ao aplicar as leis, as regras; é capacidade de saber prever também as oportunas exceções às regras. Trata-se de uma atitude fundamental na vida social. O contrário da moderação são a arrogância, a petulância, a rudez, a presunção, a falta de educação etc.
   

O domínio de si ou autocontrole, que é outro fruto do ES, está muito ligado à moderação. É uma atitude que exige de si o respeito pelo outro, mantendo sob controle os próprios sentimentos ou instintos de poder e de prevaricação, de ser oportunista diante da fragilidade do outro. O autocontrole evita todo senso de superioridade e toda violência física,  verbal e moral nos relacionamentos; evita a exploração da dignidade alheia; evita a busca da própria vantagem, do próprio prazer em prejuízo da dignidade ou do interesse de alguém. É uma virtude social fundamental.
     

A cortesia é outro fruto do ES. Ela é a atitude de Deus em relação ao homem, o modo com o qual o Senhor se comporta conosco, segundo o que Jesus diz: “Ele é benévolo(chrestós) para os ingratos e para os maus”(cf. Lc 6,35). A cortesia é a arte de acolher, de ir ao encontro do outro fazendo-o sentir que é bem-vindo, esperado, amado. Quando uma pessoa se sente acolhida, estimada e compreendida, ela se solta, fala, dá corda ao discurso.
    

Outro fruto do ES é a mansidão. Ela é uma atitude que facilmente pode ser mal interpretada, pois é confundida com a fraqueza ou com a ingenuidade. Mas, na verdade, ela é a atitude típica de Jesus que se autodefine manso(cf. Mt 11,29). E ela é uma das bem-aventuranças por ele proclamada(cf. Mt 5,5). Mansidão é a atitude que acalma a ira ou cólera. A mansidão é a atitude de quem elimina ou modera a própria cólera e a dos outros; é responder à ira com a ponderação.
   

A longanimidade é outro fruto do ES. É uma virtude que está ligada estreitamente à cortesia e à mansidão. Ela permite sustentar no tempo a esperança(Cf. Lc 13,6-9; 2Cor 2,1-4). Ela é a capacidade de saber investir, sem pretender a obtenção de resultados imediatos( o contrário da precipitação). Ela é a atitude que permite superar frustrações, que permite superar a irritação e o desencorajamento diante da aparente esterilidade da ação apostólica, educativa, formativa. Ela nos permite semear, eventualmente com sofrimento, olhando para a colheita que nos será dada pelas mãos de Deus. Ela nos convida a ter coragem e a resistir, na certeza de que da resistência virá a alegria.
      

Outro fruto do Es é a alegria/jovialidade (cf. Fl 4,4-7). O termo grego “chará” que se traduz poralegria”, ocorre 59 vezes no NT, sem contar os sinônimos e os verbos a ele ligados. É muito mais fácil experimentar a alegria do que defini-la. Ela é a atitude que torna tudo mais fácil. “Deus ama a quem doa com alegria”(2Cor 9,7), pois quem doa com alegria, doa bem. Ela é a capacidade que torna outros felizes e contentes. Ela é um sinal claríssimo da presença do ES. Se quisermos entender onde o ES está agindo, precisamos verificar a presença ou a ausência da alegria. Onde há a alegria, está o ES. O objetivo da obra de Jesus é o tornar-nos plenos de alegria: “Eu vos disse isso para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”(cf. Jo 16,22-24). Por isso, ela é a característica típica do Reino de Deus.
      

O oposto da alegria é a tristeza, aquele sentimento pelo qual tudo parece mais pesado. E uma variante da tristeza é a depressão ou mau humor, a melancolia, o descontentamento. Como resistir à atitude da tristeza? Como superar a depressão? É invocar o ES, pois a alegria é o dom do ES. É preciso invocar o ES, na certeza de que a alegria existe, de que ela está no fundo de nós mesmos, porque ela é a presença de Jesus ressuscitado ainda que esteja escondida. A alegria vem e virá, e tal certeza, cultivada no coração, ajuda a superar depressões, maus humores, escuridão etc..
       

Outro fruto conjuntural e central do ES é a paz (shalom), que representa também uma espécie de síntese de todo bem na Bíblia. Biblicamente a paz é entendida como todo e qualquer bem, humano e divino. Por isso, São Paulo até diz: “E a paz de Deus, que ultrapassa toda a compreensão, guardará vossos corações e vossos pensamentos em Jesus Cristo(Fl 4,7). A paz podemos definir como a atitude que nos defende da ânsia, que reina sobre a ânsia, que a domina. Ela é, obviamente, dom de Deus, do Espírito; é a riqueza que o Espírito derrama sobre os que a acolhem. A paz é a sensação de sentir-se em casa, de ter familiaridade com o ambiente em que vivemos. E sentir-se em casa com Deus, em Deus; o repouso em Deus é a paz que bloqueia a inquietude do coração. Como dizia Sto. Agostinho: “Nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti”. A paz é sentir-se em casa com os outros, quando os relacionamentos são construtivos. A paz leva a pessoa a superar os medos e as desconfianças recíprocas.
   

Portanto, mais do que nunca, reunamo-nos hoje em torno da Igreja para invocar, em uníssono, sobre nós, sobre nossa família e sobre o mundo inteiro, o Espírito Santo que é Espírito de reconciliação, de unidade, de renovação, de harmonia, de amor, de alegria, de mansidão, de cortesia, de longanimidade, de moderação, de autocontrole e de paz. E que estejamos abertos permanente diante do Espírito Santo que quer nos renovar e transformar em criaturas novas e renovadas de Deus.
 
P. Vitus Gustama,svd

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