sexta-feira, 17 de outubro de 2014

 
SOMOS IMAGENS DE DEUS

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”
19 de Outubro de 2014


Evangelho: Mt 22,15-21

Naquele tempo, 15 os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. 16 Então mandaram os seus discípulos, junto com alguns do partido de Herodes, para dizerem a Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências. 17 Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?” 18Jesus percebeu a maldade deles e disse: “Hipócritas! Por que me preparais uma armadilha? 19 Mostrai-me a moeda do imposto!” Levaram-lhe então a moeda. 20 E Jesus disse: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?” 21 Eles responderam: “De César”. Jesus então lhes disse: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
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Depois de terem escutado as três parábolas anteriores do evangelho, os fariseus se sentem ofendidos, pois todas elas são uma crítica dura de Jesus dirigida a eles (Mt 21,45). Conseqüentemente, a tensão existente entre Jesus e a liderança em Jerusalém e seus arredores se agrava e vai continuar a aumentar nos próximos confrontos em forma de série de perguntas e debates (Mt 22,15-23,39) que alcança seu clímax quando os líderes serão chamados de hipócritas, falso guias como túmulos, brancos por fora, mas cheios de ossos de mortos por dentro (cf. Mt 23,1-38).   
    

O primeiro destes confrontos diz respeito a tributos (Mt 22,15-22). É a segunda pergunta de Mateus sobre impostos. Na primeira discussão sobre tributos (cf. Mt 17,24-27) não há menção direta de César. Fala-se apenas do tributo pago ao Templo. Os ficais perguntam se o Mestre Jesus não paga o imposto ao Templo. Conforme a tradição judaica todo judeu, desde vinte anos de idade, tinha que pagar o imposto pela manutenção do Templo de Jerusalém (cf. Ex 30,11-13;38,26; Ne 10,33s). Cobrava-se o imposto na segunda quinzena de Março (Adar); em Abril (Nisã) que era o começo do ano litúrgico. O imposto equivalia a dois dias de trabalho. Os sacerdotes e muitos rabinos ou mestres estavam isentos de pagar esse imposto. Os fiscais quiseram saber, através de Pedro, se Jesus, que é chamado Mestre, estava gozando a mesma “mordomia”. O fato de Jesus pagar o imposto mostra que ele já rompeu com essa sociedade injusta, onde os grandes têm privilégios às custas dos pobres. Ele denuncia, assim, a exploração que empobrece e faz o povo viver na miséria. Dizem que os pequenos pagam fielmente o imposto, enquanto a maioria dos grandes sonegam o mesmo, pois a preocupação deles é a margem do lucro.
   

Mas o curioso é que o dinheiro do imposto não sai da caixa comum do grupo, e sim, miraculosamente, da boca de um peixe (cf. Mt 17,26). Temos duas interpretações: Porque Deus atende, desde já, todas as necessidades dos seus filhos. Pedro aqui representa a comunidade cristã. No meio de uma sociedade exigente e exploradora, Deus nos proverá do necessário. Em segunda lugar, Pedro é pescador. O dinheiro para pagar o imposto se encontra na boca de peixe. Ele ou qualquer um de nós vive da própria profissão ou trabalho. Pedro pesca e apanha peixe e vende-o para ganhar o necessário para sobreviver. Deus sempre ajuda quem sabe se ajudar, pois ele não vai fazer aquilo que o próprio homem pode fazer. Deus não favorece a preguiça dos homens.
       

Na segunda pergunta sobre impostos há menção de César (Mt 22,15-22). Desta vez,  os líderes procuram explicitamente ou intencionalmente Jesus para dirigir-lhe uma pergunta sobre impostos com intuito de fazer Jesus tropeçar na resposta(uma armadilha, pois eles querem vingar-se contra Jesus). Os fariseus e os partidários de Herodes procuram motivos para condenar Jesus, através de uma armadilha em forma de uma pergunta complicada dirigida a Jesus. Eles chamam Jesus com o título de “mestre”(Mt 22,16.24.36), que no evangelho de Mt este título somente encontramos na boca dos que não conhecem quem é Jesus (cf. p. ex. Mt 8,19;9,11;12,38). Quem o conhece, como os discípulos, chamam Jesus de “Senhor” (cf. p. ex. Mt 8,2.6.8;14,28.30).
    

Antes de fazerem pergunta, os fariseus e os herodianos adulam Jesus para fazê-lo falar livre e abertamente(v.16). Sabemos que os elogios de um adulador não visam ao nosso bem, mas ao seu proveito próprio; acabarão os seus louvores quando acabar sua esperança de tirar proveito de nós. Daí por diante não mais o veremos. Um amigo, ao contrário, até poderá errar, mas nunca nos abandonará porque ele nos quer bem.
     

A pergunta se refere à obrigação de pagar tributos ao imperador: “ É lícito ou não pagar imposto a César ?”  Deus (Javé) tinha sido rei dos judeus na santa teocracia e como o sinal disso, eles pagavam o imposto pela manutenção do Templo para todo judeu que alcançou 20 anos de idade, o imposto que equivalia a dois dias de trabalho, como foi dito anteriormente. Sabe-se que em lugar algum do mundo o pagamento dos impostos jamais despertou o entusiasmo. Devemos saber que os partidários de Herodes e os sumos sacerdotes estavam a favor de imposto, porque se beneficiavam dele. Enquanto  os fariseus e outros grupos revolucionários consideravam o tributo como uma ofensa a Deus, único soberano em Israel (cf. Dt 6,4-5), pois a moeda prescrita para pagar o tributo trazia a imagem do imperador Tibério, um homem pagão; usá-la significava uma idolatria e a Escritura, de fato, proíbe pintar ou esculpir a imagem de um homem (cf. Ex 20,4; Dt 5,8-9).
   

Os dois grupos pensaram que Jesus só pudesse responder “sim” ou “não”. Respondendo “sim”, Jesus teria escolhido o lado dos herodianos que faziam causa comum com os romanos. Nesta hipótese teria corrido o perigo de perder a simpatia do povo, que via o imperialismo romano com maus olhos. Uma resposta negativa(“não”) teria agradado mais aos fariseus e ao povo, mas passaria por subversivo aos olhos do poder romano. Então, ele teria condenado pelo poder romano. Qualquer resposta poderia ser, então, muito comprometida para Jesus.
    

Mas Jesus é muito mais esperto do que eles. Ele percebe a malícia deles e os chama pelo nome que em Mt costuma ser reservado aos falsos líderes: “hipócritas” (Mt 22,18). Ele pede que lhe mostrem a moeda com a qual se paga o imposto. Ao eles responderem a pergunta de quem a figura que está na moeda (a imagem de César), Jesus responde: “Devolva (restitua) a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. A resposta não pode ser entendida como “sim”, nem como “não”.
    

Um teólogo asiático, C. S. Song, no seu livro Tell Us Our Names: Story Theology From  Asian Perspective, fez um comentário sobre o texto do evangelho deste domingo. Segundo ele, a partir de Mt 10,16, para ser cristão não basta ser simples como as pombas(ética de pomba), mas  tem que ser prudente como as serpentes (política de serpente). Segundo a ética de pomba, é melhor se sacrificar do que sacrificar os outros; àquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a face esquerda... assim por diante! (cf. Mt 5,38-42).
     

Mas Jesus não é ingênuo. Jesus não quer que seus seguidores sejam apenas simples, mas que sejam prudentes também como as serpentes. Ao lado da “ética de pomba”(simplicidade) deve existir a “política de serpente”(prudência). Serpente, neste contexto, é o símbolo de prudência e de vigilância e de sabedoria, e não o do mal ou o de mentira.  Se você oferecer a face esquerda depois de receber uma bofetada na face direita, você deve saber o motivo. A “ética de pomba” sem a “política de serpente” é a ética fraca, e é uma burrice. A “política de serpente”, ao contrário, sem a “ética de pomba” se torna uma política que engana, perigosa e destrutiva. Mas se a “ética de pomba” for iluminada pela “política de serpente” e a “política de serpente” for fortalecida pela “ética de pomba”, os cristãos estarão preparados para participar na política do povo para enfrentar a política de dominação.
       

Segundo C. S. Song, a pergunta e a resposta sobre a obrigação ou não do pagamento do tributo ao imperador é um exemplo claro sobre como Jesus aplica na vida cotidiana a ética de pomba e a política de serpente. Em responder à pergunta complicada dos fariseus e herodianos, a ética de pomba não seria suficiente, pois esta ética  daria somente uma resposta direta: ou dar tudo a Deus ou dar tudo ao César. Como uma pessoa verdadeiramente de fé, a resposta seria dar tudo a Deus, pois tudo é de Deus e vem dele. E como o verdadeiro cidadão, mais ainda como o cidadão de uma colônia de um imperador, tudo foi possível pela “bondade” do imperador, e por isso, teria que dar tudo a ele. Nessa altura, a ética de pomba é iluminada pela política de serpente. Por isso, sai uma resposta sábia de Jesus: “Devolva (restitua) a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (v. 21). Jesus não se deixa enganar.
      

A imagem e legenda da moeda mostram quem é seu proprietário. A idéia dos fariseus e herodianos é roubo, isto é, propõem não pagar o tributo, mas querem ficar e usar o dinheiro do César (“devolvei”); assim não vão considerá-lo como Senhor nem terão que pagar-lhe tributo. Quando eles forem capazes de denunciar a esse dinheiro e à riqueza que lhes confere, poderão ser fiéis a Deus, a quem devem devolver o povo que lhe roubaram.
       

A resposta de Jesus é desconcertante, porque situa a questão a um nível mais profundo. Para ele o importante é que o homem reconheça a Deus como único Senhor, pois é no homem Deus deixa inscrita sua imagem (cf. Gn 1,27). Ao imperador pertencem as moedas do imposto que levam sua imagem, mas somente a Deus deve submeter-se o homem como, pois Ele é  o Senhor absoluto. A resposta de Jesus não propõe uma espécie de repartição (divisão) eqüitativa entre o poder político e o religioso. Esta é uma problemática que apareceu depois, sobretudo na Idade Média, quando se leu este texto a partir das circunstâncias diversas às que se davam em tempos de Jesus. O que Jesus faz é situar o homem diante de Deus como seu único Senhor. Todo o demais deve ser relativizado, inclusive a submissão ao pode político.
     

Um dos textos mais discutidos e mais mal- compreendidos do evangelho é, certamente, a palavra de Jesus dizendo: “Devolva a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Há quem  veja aqui uma justificativa para  manter a religião longe da política: as coisas da política não devem ser misturadas com as de Deus ou  com as de religião. Esta maneira de entender serve, naturalmente, aos interesses dos que têm o poder na sociedade, para que a comunidade da fé, a Igreja ou religião, não se intrometa nos seus negócios. Assim eles podem abusar do próprio poder e se comportam como opressores. Mas esta frase de Jesus é usada também pelos cristãos para dizer ao Estado que ele não tem o direito de intrometer-se nos assuntos religiosos.
     

Pensar que a religião deve cuidar só das coisas espirituais é reduzir o Evangelho a quatro paredes de uma sacristia. Fé e vida, segundo Jesus, devem andar juntos. “Vós sois a luz do mundo e o sal da terra” (cf. Mt 5,13-14). Com efeito, o Reino de Deus não se situa fora dos reinos terrestres, porque estes são assumidos por Deus em Jesus Cristo. Não podemos ser cristãos autênticos à margem das realidades. A fé não pode ser vivida de uma maneira desligada das realidades deste mundo para só pensar em Deus; não pode ser praticada em segredo, no próprio quatro, ou na igreja durante o culto. Todas as dimensões da vida dos cristãos devem ser sempre iluminadas pela Palavra de Deus. A fé condiciona todas as escolhas do homem e todas as horas da sua vida, portanto não pode deixar de influir também sobre opções políticas e sobre o cumprimento dos deveres de cidadão. Em tudo, o cristão é chamado a instaurar o Reino de Deus, a viver Cristo em sua vida e manifestá-lo a todos.
     

Por isso, a união com Cristo não é um modo estático de ser, uma tranqüila posse de um estado de vida já conseguida uma vez para sempre: é luta, constante esforço que deve ser empreendido todos os dias. Iluminado pela Palavra de Deus e pela fé, o cristão está empenhado a olhar a realidade com os olhos de Deus. Por isso, um cristão não é um estranho nem um solitário, mas alguém chamado a participar de uma comunidade, tanto eclesial como civil. Daí brotam seus interesses coletivos e sua responsabilidade perante a sociedade. Em Cristo, cada cristão é chamado a estar com Deus e com os outros.
     

O discípulo de Cristo/o cristão e toda pessoa humana não podem fazer uma separação entre dimensão religiosa de sua vida e a dimensão civil ou política. O cristão não pode marginalizar-se do mundo e marginalizar o mundo do Reino de Deus, mas, como fermento, é chamado a transformá-lo. Cada cristão e cristã são chamados a construir uma sociedade mais justa e fraterna, cada qual na sua profissão, na sua atuação na sociedade. Ele traz sua experiência social para a igreja, onde a celebra com todos. E, iluminado e fortalecido pela Palavra de Deus e o Pão eucarístico, o cristão volta a agir na sociedade.
   

O que nos chama a atenção também do Evangelho de hoje a segunda parte da resposta de Jesus: “Devolva a Deus o que é de Deus”. Devolver a Deus o que merece é impossível. Somos incapazes de lhe pagar. Apenas podemos agradecer. O “sacrifício” e o culto são as maneiras tradicionais de expressar nossa gratidão e também, de pedir o que precisamos, embora Deus não precise ser lembrado disso (Mt 6,7-8). A Deus nunca poderemos “pagar” no sentido estrito o que lhe devemos, já que lhe devemos tudo. Os sacrifícios de animais e de frutos de nosso trabalho são apenas gestos simbólicos. Por isso, o Novo Testamento ensina que o verdadeiro tributo que devemos pagar a Deus é a nossa vida honesta conforme os princípios que Jesus nos ensinou e o nosso amor a Ele que se concretiza no amor ao nosso semelhante, imagem viva de Deus. São Paulo disse: “...o vosso culto espiritual, irmão, é este: ofereçais vossos corpos como hóstia viva e santa e agradável ao Senhor” (Rm 12,1; cf. também 1Pd 2,5; At 10,31;Sr 35,1-10).
      

Que sejamos realmente hóstia viva e santa e que saibamos santificar os outros. Só assim agradaremos ao Senhor.

P. Vitus Gustama,svd

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