domingo, 31 de agosto de 2014

 
TER AUTORIDADE É AQUELE QUE LIBERTA E FAZ O OUTRO CRESCER

Terça-Feira da XXII Semana Comum
02 de Setembro de 2014
 

Evangelho: Lc 4,31-37

Naquele tempo, 31 Jesus desceu a Cafarnaum, cidade da Galileia, e aí os ensinava aos sábados. 32 As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus falava com autoridade. 33 Na sinagoga, havia um homem possuído pelo espírito de um demônio impuro, que gritou em alta voz: 34 “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” 35 Jesus o ameaçou, dizendo: “Cala-te, e sai dele!” Então o demônio lançou o homem no chão, saiu dele, e não lhe fez mal nenhum. 36 O espanto se apossou de todos e eles comentavam entre si: “Que palavra é essa? Ele manda nos espíritos impuros, com autoridade e poder, e eles saem”. 37 E a fama de Jesus se espalhava em todos os lugares da redondeza.
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Estamos nos primeiros dias da pregação publica de Jesus segundo o evangelho de Lucas. Recusado pelo seu povo em Nazaré, Jesus vai a Cafarnaum cuja população era uma mistura de várias nacionalidades. Em Cafarnaum Ele fala com autoridade para as pessoas e desperta a admiração de todos, pois Ele prega e liberta.


Todos os evangelhos sinóticos (Mt, Mc, Lc) colocaram em destaque a autoridade extraordinária, o prestigio que emanava da pessoa e da palavra de Jesus (Mt 7,29; Mc 1,22; Lc 4,32). Naquela época tinha bastante “escolas”, grupos de escribas ou de letrados que faziam comentários sobre a Sagrada Escritura. Agora Jesus faz seus próprios comentários que totalmente são novos (sem nenhuma influência de alguma escola). Do fundo de si mesmo surgem pensamentos magistrais revestidos de autoridade que causa a admiração no povo. O evangelista Marcos registrou a admiração do povo diante do ensinamento de Jesus com as seguintes palavras: “Estavam espantados com o seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade e não como escribas” (Mc 1,22). No seu ensinamento, Jesus não se apóia nas tradições de escolas rabínicas, pois Ele é enviado de Deus, o Filho de Deus em quem repousa o Espírito de Deus (Mc 1,9-11). Jesus apela diretamente para a consciência de seus interlocutores.


A autoridade de Jesus não está a serviço de uma instituição, mas está a serviço do ser humano para que este reconheça sua própria dignidade, seu valor e sua vocação à vida comunitária de irmãos. A nova forma de Jesus ensinar “com autoridade” apela para valores e atitudes fundamentais do ser humano: apela à capacidade de convivência como irmãos do mesmo Pai do céu, apela ao reconhecimento respeitoso e tolerante do outro, apela ao desenvolvimento da auto-estima como condições para uma autêntica libertação da situação de marginalização em que vive a grande maioria. Onde não houver um mútuo respeito, não haverá espaço para a mútua admiração. O Pai que está no céu nos faz irmãos aqui na terra. Ao aceitar o Espírito de Deus o homem se liberta de suas escravidões e se torna irmão do outro.


Por esta razão, Lucas nos relatou também um homem endemoninhado que se encontrou dentro do templo. Um endemoninhado é um homem possuído por uma ideologia que aliena completamente a liberdade e o faz falar como instrumento de outro. Este personagem representa uma parte do público (ele fala em plural: “Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir?”), que se alarma diante do messianismo que Jesus pretende expor. Esta parte do público tem medo de que o patriotismo nacionalista perca terreno. Se Jesus continuar falando assim (com autoridade), a libertação de Israel vai fracassar. Assim pensa esse grupo.


Jesus não se deixa instrumentalizar. Ele liberta com conjuração o homem possuído por aquela ideologia de morte e lhe devolve sua condição de um homem livre, que pensa por si próprio. Com a Palavra ungida com o Espírito criador de Deus Jesus humaniza o homem no meio de tantos oportunistas que se arrogam o poder de Deus em beneficio de seus interesses mesquinhos. “Todo aquele que, ocupando uma posição de autoridade, aproveita para divertir-se, para aumentar seu patrimônio, ou para conseguir lucros pessoais, não é um servidor dos demais, mas um escravo de si mesmo”, dizia Santo Agostinho (Serm. 46,2). Jesus não quer que o cérebro desse homem vire um arquivo para pensamentos alheios. Jesus quer que ele tenha coragem de criar os seus próprios pensamentos e não apenas memorizar os pensamentos alheios.


Por isso, o episódio do homem possuído por um espírito impuro, mais do que demonstrar autoridade de Jesus sobre as forças do mal, quer mostrar como Jesus integra ao seio da comunidade aquele que era excluído e recusado como muitos outros em nome de um poder que desumaniza ou em nome de uma instituição desumanizante.


Se você quer saber quanta autoridade tem, não se pergunte a quantos você submete, mas a quantos você ajudou a crescer. O medo que os outros têm de você não mede sua autoridade, mas seu poder autoritário. A autoridade põe respeito, o autoritarismo põe medo nas pessoas. Quando alguém acredita que a força de sua autoridade está em seu poder e não em seu amor, ele desautoriza a si mesmo como pessoa. Se ou quando alguém precisa apelar para a força e para o poder para ser autoritário é porque como pessoa já não tem mais autoridade. Os títulos e os cargos podem até confirmar a autoridade que cada um tem, mas não lhe dão a que não tem.


Jesus fala como quem tem autoridade, assim o evangelista Marcos registrou. O que significa para nós falar com autoridade? Há palavras ou ações que nos aproximam de Jesus. Quais são estas palavras?


Sempre que pronunciarmos uma palavra viva, aquela que não é fingida, aquela que sabe detectar em cada momento aquilo do qual o outro está necessitando, aquela palavra que faz o outro melhorar e crescer, aquela que não semeia a discórdia, a palavra que humaniza, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra compassiva, aquela que consola nos momentos de dificuldade, a palavra que anima quem está desesperado, a palavra sincera de querer ajudar, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra solidária, aquela que coloca as coisas no seu devido lugar, aquela que sai do coração para aliviar a dor do outro, aquela que serena, estaremos falando com autoridade. Sempre que pronunciarmos uma palavra de esperança que diz que nem tudo está perdido, que o melhor está para vir porque Deus está conosco (Mt 28,20) e que “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37), estaremos falando com autoridade.


É bom cada um de nós fazer um exame de consciência para saber se fala com autoridade como Jesus ou não? É bom cada um se perguntar se está próximo de Jesus no modo de viver e de tratar os demais ou não? Hoje em dia precisamos muito mais das pessoas com autoridade e carisma do que das pessoas com o poder.


P. Vitus Gustama,svd

sábado, 30 de agosto de 2014

 
LIBERTADOS POR JESUS PARA CONSTRUIRMOS UMA HUMANIDADE MAIS FRATERNA

Segunda-Feira da XXII Semana Comum
01 de Setembro de 2014
 

Evangelho: Lc 4,16-30

Naquele tempo, 16 veio Jesus à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. 17 Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: 18 “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos 19 e para proclamar um ano da graça do Senhor”. 20 Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21 Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. 22 Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca. E diziam: “Não é este o filho de José?” 23 Jesus, porém, disse: “Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”. 24 E acrescentou: “Em verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. 25 De fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em Israel. 26 No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que vivia em Sarepta, na Sidônia. 27 E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã, o Sírio”. 28 Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. 29 Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até o alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. 30 Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho.
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O texto do evangelho de hoje nos fala do início da pregação pública de Jesus segundo Lucas. A pregação inaugural (discurso programático em Nazaré) tem como lugar numa sinagoga em Nazaré, por ocasião de um culto sinagogal no Sábado. E a leitura que Jesus fez e sobre o qual comentou é o texto do Trito-Isaias (cf. Is 61,1-2) que fala da missão do Messias. E a missão do Messias, do Ungido de Deus, é proclamar a Boa Notícia que consiste na libertação dos prisioneiros do sofrimento, da opressão, da injustiça e proclamar a Boa Notícia, preferencialmente, para os pobres, os escravos, os marginalizados: os leprosos, os doentes, os publicanos, as mulheres. E Jesus se apresenta como o Ungido, o Messias (cf. Lc 3,21-22). Em outras palavras, o que o livro de Isaias anunciava se cumpriu em Jesus: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Jesus veio ao encontro do homem para devolver sua dignidade como pessoa humana e filho (filha) de Deus.


Trata-se de uma cena bem significativa, programática que se pode dizer que dá sentido a todo ministério messiânico de Jesus: sua primeira pregação na sinagoga de seu povo de Nazaré. Trata-se de uma cena densa, muito bem narrada por Lucas com uma série de detalhes significativos: o costume de ir à sinagoga todos os sábados; o convite para que leia a Palavra de Deus; o comentário de Jesus sobre a leitura do Livro de Isaias cujo conteúdo é o programa do ministério de Jesus: “Hoje se cumpriu a Escritura...”; as primeiras reações e aprovação por parte dos seus conterrâneos que ficam bloqueados em seu caminho de fé, pois conhecem demais Jesus: “Não é este o filho de José?”; a queixa de Jesus sobre essa falta de fé; a reação de ira.


O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. Jesus veio para libertar, para unir e reunir, para salvar.


A idéia de libertação, de liberdade, está subjacente em todo o Evangelho de Lucas (e outros evangelhos). Toda vez que Deus visita e se aproxima do homem, Ele o faz para libertá-lo: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo...” (Lc 1,68). E toda vez que o homem se aproxima de Deus, ele ganha a libertação e a liberdade. A aproximação de Deus em Jesus Cristo tem como objetivo libertar o homem: libertar para ser livre.


Jesus vem ao encontro do homem para que este se torne mais humano e mais irmão dos outros, e para fazer que o homem seja capaz de se levantar contra si próprio, isto é, contra àquilo que não é humano dentro de si, penetrando até o intimo de seu ser para destruir o que é caduco e podre dentro de si próprio a fim de fazer florescer o que tem de esplêndido e admirável dentro de si. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de jogar para longe as cadeias de seu egoísmo que prejudica a convivência fraterna. Jesus vem ao encontro do homem para que este seja capaz de sentir-se, com todas as suas conseqüências, filho de Deus e irmão dos demais homens. Jesus vem para libertar o homem em sua totalidade a fim de fazê-lo apto para construir o hoje e o aqui do Reino de Deus que Ele anuncia e quer construir como tarefa prioritária de sua vida e missão. Jesus vem para libertar o homem daquilo que se chama “pecado” e que consiste em subverter a escala de valores e no lugar de buscar o Reino de Deus e sua justiça (cf. Mt 6,33), buscar a própria e direta satisfação acima de qualquer valor. Jesus vem para que, ao libertar o homem, desaparecem da terra o ódio, a guerra, a violência, a extorsão, a exploração, a injustiça, a miséria, a opressão, a intolerância, e assim por diante. Jesus vem para construir o homem novo capaz de colaborar na realização da nova terra e do novo céu (cf. Ap 21,1-8).


Jesus veio como o verdadeiro Libertador dos homens. Convém pensar serenamente na passagem do Evangelho deste dia e saborear a cena num momento no qual vivemos na atualidade com proliferação dos que se dizem “libertadores” ou “os liberais” e que pregam tantas “liberdades” ou “libertinagem”. Estamos rodeados dos libertadores oficiais que nos querem liberar para gozar do sexo, da vida, de cada momento que se escapa de nossas mãos com rapidez. No entanto, nunca o homem está tão prisioneiro de si próprio, prisioneiro, precisamente, daquilo por onde dizem que vem a libertação ou uma simples liberação de tudo. Trata-se de uma liberação ou libertinagem que arranca um sorriso limpo e estimulante de tantos lábios, a violência mortal ao impor os próprios modos de conceber a vida a ponta de uma pistola ou de um revolver, a fome que é possível morrer em nossas civilizadas e estupendas cidades, uma solidão que enche de vazio nossas populosas cidades, a injustiça que se traduz em pobreza institucionalizada. Esses são os frutos da liberação ou da libertinagem que nos anunciam os messias de turno. Diante deles se levanta Jesus, com a Escritura na mão, anunciando que real e verdadeiramente libertação consiste em romper as cadeias pessoais para conseguir ser o que se deve ser: filhos de Deus e irmãos dos demais homens. Para um cristão o que deve ser é ser um sincero e verdadeiro filho de Deus, com toda a amplitude e a exigência que essa realidade traz consigo. É preciso escutar a Palavra anunciada por Jesus, a Palavra do Pai.


Na sinagoga Jesus leu uma passagem da Escritura e fez o comentário sobre ela. Os nazarenos ficaram admirados com a explicação de Jesus, mas, ao mesmo tempo, se escandalizaram porque para eles Jesus é o filho de um simples carpinteiro. Jesus que anuncia é tão “humano” e por isso, ele é uma presença de Deus. O anúncio tão humano de Jesus não se trata de filantropia ou de ação social, mas trata-se, precisamente do projeto de Deus e da ação do Espírito Santo: “O Espírito do Senhor está sobre mim para...”. A presença de Jesus é uma chuva de benefícios para todos: para os pobres, para os cativos, para os cegos, para os oprimidos...    


Quando escutamos a Palavra de Deus, temos que recebê-la não como um discurso humano e sim como uma Palavra que tem um poder transformador em nós, pois tudo o que diz está profundamente cheio de sentido e de amor. Deus não fala para nossos ouvidos e sim para nosso coração. A Palavra de Deus é uma fonte inextinguível de vida. A Palavra de Deus sai do próprio coração de Deus. Desse Coração, do seio da Trindade veio Jesus, a Palavra do Pai, para os homens (cf. Jo 1,1-4.14).


Por isso, cada dia, quando lemos ou escutamos o Evangelho, nós temos que dizer, como Maria: “Faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38). Ao que Deus nos responderá: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabastes de ouvir”. Os nazarenos não compreenderam as palavras de Jesus, pois olhavam somente com os olhos humanos: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22). Viam a humanidade de Jesus, mas se escondia a Sua divindade aos olhos dos nazarenos. Toda vez que escutamos a Palavra de Deus, além de seu estilo literário, da beleza das expressões ou da singularidade da situação, temos que saber e estar conscientes de que é Deus Quem nos fala.


O Senhor “ me enviou para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos”. A vida de Jesus é nossa vida. A missão de Jesus é nossa missão. Temos missão de libertar as pessoas de suas “ataduras” de vida; de fazer as pessoas enxergarem sua vida e a realidade ao redor para tomar posição como cristão, de viver na alegria do Senhor apesar dos contra-tempos. Mas para podermos libertar os outros temos ser, primeiro, livres, pois somente quem é livre pode libertar.


P. Vitus Gustama,svd
 
CONDIÇÕES PARA SEGUIR A JESUS


XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”
31 de Agosto de 2014
                                             

Evangelho: Mt 16,21-27


Naquele tempo, 21 Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia. 22 Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!” 23 Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” 24 Então Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. 25 Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. 26 De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? 27 Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta”.

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No domingo anterior Pedro professou sua fé em Jesus dizendo: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Mas não basta proferir a fórmula certa sobre a identidade de Jesus. Importa compreendê-la dentro do espírito do próprio Jesus. Pedro, sob o influxo da revelação do Pai acertou a identidade de Jesus, mas a compreendeu a seu modo e nisso foi corrigido com palavras duríssimas por Jesus depois que Jesus falou do anúncio de sua paixão (Mt 16,22-23). Jesus convida os discípulos a entenderem o seu caminho. Por isso, Jesus apresenta-lhes as condições para segui-Lo (Mt 16,24), os motivos das condições em forma de ditos paradoxais (Mt 16,25-26) e termina com o anúncio da vinda escatológica do Filho do Homem para julgar os homens, onde os discípulos são convidados a entrar da glória futura (Mt 16,27). Assim lemos no Evangelho deste domingo.


Viver É Sempre Um Começar Para Cada Nova Etapa


O Evangelho de hoje começa com estas palavras: “Desde então, Jesus começou a mostrar a seus discípulos...”(v.21). O evangelista Mateus repete novamente o que disse em Mt 4,17 (para o início da missão na Galiléia). Ele quer enfatizar o novo começo na vida e no destino de Jesus a partir de Cesaréia de Filipe onde Pedro professou sua fé em Jesus (Mt 16,13-30) e com este novo começo Jesus pretende abrir os olhos dos discípulos para a nova caminhada. Por isso, ele usa o verbo “mostrar” para indicar a intenção de revelar um desígnio escondido do plano de Deus (cf. Ap 1,1). Trata-se do acontecimento da revelação última e definitiva.


Optar por um novo começo significa deixar espaço ocupado até então, um espaço, por ser conhecido, dá segurança e partir rumo ao desconhecido, ao inseguro com muita fé porque Deus nos chama, como Ele chamou Abraão a sair da própria segurança, da própria pátria rumo a terra estrangeira/desconhecida apostando totalmente em Deus (cf. Gn 12,1ss). Não é fácil ouvir o chamado de Deus. Nossa insegurança, nossa hesitação e nossa grande afirmação fazem com que percamos a confiança na Palavra de deus que nos chama. Quando nos esvaziamos de nós mesmos, Deus começa a operar em nós e através de nós para salvar o mundo.
             

A virada ou o novo começo na vida de Jesus “desde então” exige também uma virada, um novo começo, uma nova conversão dos seus seguidores, todos nós para seguir adiante. Preciso estar consciente de que por causa de Deus dentro de mim existe uma luz e um horizonte com os quais posso começar e seguir adiante vivendo os ensinamentos de Jesus apesar de tudo. Preciso ter consciência de que por causa de Jesus, Luz do mundo (cf. Jo 8,12) dentro de mim ainda existe luz que sempre brilha com que eu posso seguir o caminho de Jesus. Essa luz dentro de mim pode não espantar todas as trevas do caminho, mas é suficiente para iluminar meu caminho para seguir a Jesus e viver seus ensinamentos. Eu preciso manter minha consciência de que dentro de mim existe o amor, pois Deus me amou primeiro (cf. 1Jo 4,19). Com este amor que há dentro de mim sou capacitado a amar meu próximo seguindo o exemplo de Jesus que nos amou até o fim (cf. Jo 13,1). Se ainda não vivi assim, eu preciso começar novamente.


Nossos Caminhos Não São Caminhos de Deus
   

Pedro, que acabou de professar sua fé em Jesus como “Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16), ainda segue o esquema de pensar deste mundo que dá mais valor ao poder, ao dinheiro,  à honra e pompa que à simplicidade, à verdade e à humildade. Ele quer este tipo de Deus. Por isso, quando Jesus fez anúncio sobre seus sofrimento e morte, da boca de Pedro saíram estas palavras: “Deus não permita tal coisa, Senhor. Que isso nunca te aconteça !” (v.22).


Esta frase nos mostra que Pedro não havia compreendido ainda em profundidade a pessoa e a missão de Jesus. Pedro ainda não havia chegado ao fundo do mistério de Cristo que o amor que se dá ao Pai e aos homens deve ser até o extremo, até as últimas conseqüências, até a morte na cruz. A sua fé na messianidade de Jesus é ainda uma fé tradicional, que associa o Messias ao poder e à glória e em nenhum momento ao sofrimento e à morte. As esperanças messiânicas tradicionalmente eram de caráter de glória e de poder. Esperava-se um Messias totalmente político e triunfalista, instaurador da nação. O esquema de pensamento e de viver de Pedro faz parte ainda do esquema de vida dos homens com o espírito mundano.


Os homens, com o espírito mundano apostam no poder, no domínio, no triunfo, no êxito, pois segundo eles a vida só tem sentido se eles tiverem dinheiro em abundância, se tiverem poder para serem reconhecidos e honrados pelas multidões. Jesus, que tem poder de verdade, sempre aposta na entrega de sua vida a Deus e aos irmãos. Jesus nos garante que a vida só tem sentido quando vivermos no amor, na partilha, no serviço, na solidariedade, na humildade, na simplicidade.
   

Até aqui podemos tirar a seguinte lição: Se formos sinceros, deveremos reconhecer que, no fundo, pensamos e reagimos da mesma maneira que Pedro, de maneira tipicamente conformista: conforme os valores e critérios do mundo e não segundo as palavras e as práticas de Jesus. Em vez de ser luz do mundo e sal da terra nós nos deixamos levar pela vida mundana. Como Pedro, podemos professar nossa fé em Cristo Jesus, mas muitas vezes imediatamente depois disso vivemos negando a mesma fé com o nosso comportamento, opondo-nos com todas as forças e todos os meios, inclusive os da invocação do nome de Deus em vão. Para São Paulo, estas reações são as reações do homem carnal, do homem velho (cf. Rm 7,14ss;8,5ss). Isto quer nos dizer que a nossa fé está sempre submetida às mais diversas tentações.
    

Diante da veemente recusa de Pedro, Jesus o corrigiu com palavras duríssimas: “Sai da minha frente! Para trás Satanás!” (v.23). A resposta de Jesus é uma resposta indignada porque o que está em jogo é algo de uma importância e de uma gravidade suprema para ele. Quanto maior for perigo, maior também se tornará a bronca/repreensão. Aqui Jesus usa as mesmas palavras que usou para responder à terceira tentação de Satanás no início do seu ministério (cf. Mt 4,10). Agora no fim do seu ministério vem Pedro desempenhando o papel próprio de Satanás ao tentar desviar Jesus de sua missão. Nisso Pedro é a encarnação do Adversário (Satanás). Opor-se à vontade de Deus e, em última análise, ser agente de satanás, é fazer o jogo de Satanás. Por isso, Jesus dá a Pedro a mesma resposta que dera ao Tentador no deserto. Quem não vive os ensinamentos de Jesus, mais adiante acabará desempenhando o papel de satanás para si e para os demais ao seu redor.
    

Jesus indica a Pedro que ele é apenas um seguidor. Por isso, seu lugar não é na frente, mas detrás de Jesus, no seguimento de Jesus. A palavra “seguir” já indica o lugar atrás de quem é guia ou mestre. A pretensão de Pedro de se colocar na frente é desmarcada por Jesus. E esta pretensão é considerada como um jogo do adversário (satanás). Com isso, Pedro se torna pedra de tropeço no caminho de Jesus. Por isso, essas palavras servem como convite para Pedro para que ele volte a ocupar o lugar do discípulo, a trilhar os passos marcados por Jesus. Porque ficar na frente de Jesus significa obstaculizar o caminho de Jesus. Por trás das palavras de Jesus está o texto de Is 55,8: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus caminhos”.


Vamos nos perguntar e vamos verificar nossa consciência: quantas vezes desempenhamos o papel de Satanás na nossa vida e na nossa comunidade, como por exemplo: levar  alguém a pecar, a ser desonesto, a roubar, a levantar o falso testemunho, a trair e assim por diante. Em segundo lugar, para estarmos bem com Deus e com os outros, devemos saber o nosso lugar. Qual é o meu lugar? Se eu não souber e ocupar o meu lugar, alguém vai me colocar onde eu não devia estar. Se você é uma mãe ou pai, seja mãe ou pai, se é cristão, seja cristão seu comportamento, se é aluno ou estudante, estude cada vez mais e assim por diante.
  

Pedro e cada um de nós temos de nos converter sempre de novo, dar uma virada, um novo começo para que o caminho de nossa vida seja o de Deus e não o nosso, assim encontraremos a nossa felicidade e paz. Temos que mudar sempre o nosso modo de pensar (metanoia) para que os nossos pensamentos não sejam os nossos mas os de Deus, assim enxergaremos bem o nosso caminho e resolveremos melhor os nossos problemas. Enfim, no silêncio de nossas orações e reflexões, temos que buscar sempre de novo qual é a vontade de Deus em nossas vidas e praticá-la. Se nos chamamos de cristãos, devemos então, imitar a vida de Jesus. A vida de Jesus foi nutrida da vontade de Deus. Ele disse: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra”(Jo 4,32).
  

Se perseverarmos no amor de Jesus, no seu seguimento, nas suas exigências, passo a passo e dia a dia, acabaremos compreendendo o mistério de sua pessoa e de sua missão e optando pela comunhão de destino com ele e acabaremos também descobrindo e compreendendo a nossa verdadeira identidade. E quem opta por  seguir a Jesus encontra um centro para sua vida fora de si mesmo.  Não gira mais em torno do próprio “Eu”, dos gostos individuais e dos próprios interesses e das vantagens pessoais. Mas o centro de sua vida está doravante na vontade de Deus manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. Quando Deus se torna centro, o cristão se torna bom e correto consigo mesmo e com os outros.


As Condições Para Seguir a Jesus
 

As exigências do seguimento de Jesus são repetidas seis vezes com variantes maiores e menores nos quatro evangelhos (Mt 16,24ss;Mc 8,34ss; Lc 9,23s; Jo 12,24ss; Lc 14,27; Mt 10,38s). Essa repetição nos indica a importância dada pela Igreja dos apóstolos a essas exigências.
   

Ao apresentar aos discípulos as condições do seguimento, Jesus não impõe, mas propõe: “Se alguém quer...” O seguimento não é uma imposição. Todos têm a liberdade de aceitar ou de recusar. Mas quem quer seguir verdadeiramente a Jesus, tem que assumir as exigências postas por ele. Tudo tem que ser tomado na base da liberdade, da obediência da fé e por amor.
   

A primeira condição é a renúncia: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo...” (v.24a).


Renunciar a si mesmo não significa uma resignação cansada diante da vida nem uma “entrega dos pontos” nem por falta de opções. Antes de tudo significa a libertação da própria liberdade dos egoísmos a que estava atada e que agora se entrega inteiramente a Deus.


O seguidor é chamado a não colocar o próprio eu no centro do próprio interesse. O centro de sua vida está doravante na vontade de Deus, manifestada para ele na pessoa e na missão de Jesus Cristo. E esta entrega tem de ser livre para poder ser feita na alegria, no entusiasmo e na generosidade. O seguidor é chamado à renúncia, a arriscar a própria vida, porque só assim poderá, como Cristo, chegar à glória que é a meta de todo caminho da cruz. Mas toda renúncia deve ter como base o amor. O sacrifício, a renúncia de si mesmo que não seja animado pelo amor, que não seja uma manifestação de amor, uma expressão de doação de si mesmo, que não leve à comunhão com os outros é apenas uma tortura auto-infligida. A renúncia que Jesus pede não é uma ação negativa. Ele pede amor, doação de si mesmo. Tudo tem que ser feito por amor. Sem o amor, viveremos uma vida dupla. E este tipo de vida, não traz a alegria verdadeira nem para si nem para os outros.


O discípulo de Jesus não pode viver fazendo opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do bem e fazer de sua vida um dom de amor aos irmãos, se for necessário até à morte. Foi esse, de fato, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.
 

A segunda condição é o “carregar a sua cruz” (v.24b). “Carregar a cruz” é uma expressão que os primeiros cristãos utilizaram muito para expressar sua união com Jesus na sua morte e ressurreição. É uma expressão relacionada ao mistério pascal de Jesus Cristo.


Ao seguir a Jesus ficamos frente a frente com a cruz: a cruz da contrariedade, a cruz da injustiça, a cruz da desonestidade, a cruz da perda de um inocente, a cruz da corrupção e assim por diante. E Jesus continua nos chamando a caminhar atrás dele vivendo uma vida honesta, justa, fraterna no amor. A cruz nos convida a nos deixarmos contagiar pelo amor. Quem carrega a cruz com amor, une-se a Cristo. Quem a carrega sem amor, encontra-se com condenação.


Simplesmente “carregar a cruz” atrás de Jesus é tomar a sério a vida cotidiana mantendo os valores evangélicos sem pospor a interesses contrários ainda que afetem seres queridos como os próprios pais ou filhos. Nenhum membro de uma verdadeira família compactua com a maldade de outro membro da mesma. Carregar a cruz e seguir ao Senhor deve ser uma honra, um orgulho e dever para o cristão que quer corresponder generosamente ao amor que Deus nos manifestou.


Jesus pede ao seguidor o esvaziamento total de si mesmo, até a morte física, se for preciso. Quem não tiver esta disponibilidade, ainda não é verdadeiramente seguidor de Cristo. Todo aquele que quer seguir a Jesus incondicionalmente deve estar pronto para percorrer todos os passos da Paixão, pois o “mundo” tenta  crucificar e eliminar os seguidores de Cristo por todos os meios, como aconteceu com Jesus.
   

Depois dessas condições, Jesus mostra os motivos em forma de ditos paradoxais.
   

Em primeiro lugar Jesus afirma que quem busca egoisticamente, a todo custo, usando quaisquer meios, aproveitar, gozar e conservar a própria vida, acaba desperdiçando-a e perdendo-a (v.25). Querer guardar para si a própria vida é o caminho mais seguro para perdê-la. Pelo contrário, quem vive em função do serviço desinteressado aos outros na bondade e no amor, ele acaba encontrando a vida na sua plenitude, acaba ganhando a vida eterna. A vida só se encontra, doando-a. O próprio Jesus é o exemplo desta doação. Ele se doou até o fim a Deus e aos homens. O homem muitas vezes somente dá um pouco de sua vida. O verdadeiro cristão se doa tudo por amor.


No v. 26 Jesus repete o paradoxo anterior: “De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?”.


Possuir os bens deste mundo não seria um mal em si mesmo, mas torna-se o maior dos males quando, por causa de tais posses, o cristão é impedido de seguir a Cristo. Jesus, certamente, rejeitou o “mundo inteiro” que o Tentador lhe oferecera, pois o preço da oferta era a idolatria (Mt 4,8s). “Desapeguemos o coração de todas as criaturas. Quem está agarrado a alguma coisa da terra, ainda que mínima, nunca poderá voar e unir-se todo a Deus” (S. Afonso de Ligório). Ainda que alguém ganhasse o mundo inteiro (riqueza, glória, poder), a vida é efêmera. Na ótica da fé, todas as riquezas do mundo são insignificantes quando o que está em jogo é a vida em plenitude (eterna) que Jesus oferece aos que o seguem.
    

O fundamento último da nossa opção pelo seguimento incondicional de Cristo é a certeza, dada pela fé, de que o Filho do Homem virá um dia na sua glória (v.27). Ele terá a última palavra sobre o homem. Essa palavra será uma palavra de graça para quem segue a Jesus incondicionalmente. O juízo final torna-se, então, a medida para avaliar a existência histórica e ao mesmo tempo a bússola que orienta a vida do cristão nas escolhas justas e sensatas nesta vida diariamente. Quem seguir a Jesus e viver seus ensinamentos, terá uma vida com um final feliz.


Para ser seus discípulos, Jesus não nos pede que cumpramos os mandamentos, ou que sejamos bons. Tudo isso é necessário. Ser discípulo de Jesus não é somente ser bom, pois todos tem que sê-lo independentemente de ser ou de não ser cristão. Ser discípulo de Jesus é ser diferente, por ser disponível e pronto para renunciar a tudo pelo valor superior para o bem de todos. Ser cristão é sério e difícil. Por isso, muitos caminham com Jesus, mas poucos chegam a ser discípulos. Muitos são admiradores de Cristo, mas poucos são seus seguidores. Será que somos seguidores do Senhor ou somente seus admiradores? Afinal, qual é nosso esquema de viver: o de Jesus ou o do mundo?

P. Vitus Gustama,svd

sábado, 23 de agosto de 2014

TALENTOS SÃO DADOS PARA SEREM MULTIPLICADOS PARA O BEM DE TODOS

Sábado da XXI Semana Comum
30 de Agosto de 2014

Evangelho: Mt 25,14-30

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos esta parábola: 14 ”Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. 15 A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou. 16 O empregado que havia recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles, e lucrou outros cinco. 17 Do mesmo modo, o que havia recebido dois lu­crou outros dois. 18 Mas aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão. 19 Depois de muito tempo, o patrão voltou e foi acertar contas com os empregados. 20 O empregado que havia recebido cinco talentos entregou-lhe mais cinco, dizendo: ‘Senhor, tu me entregaste cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei’. 21 O patrão lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!’ 22 Chegou também o que havia recebido dois talentos, e disse: ‘Senhor, tu me entregaste dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei’. 23 O patrão lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!’ 24 Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: ‘Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. 25 Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence’. 26 O patrão lhe respondeu: ‘Servo mau e preguiçoso! Tu sabias que eu colho onde não plantei e que ceifo onde não semeei? 27 Então devias ter depositado meu dinheiro no banco, para que, ao voltar, eu recebesse com juros o que me pertence’. 28 Em seguida, o patrão ordenou: ‘Tirai dele o talento e dai-o àquele que tem dez! 29 Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30 Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Ali haverá choro e ranger de dentes!”
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O texto do evangelho de hoje fala sobre os talentos. Mateus os coloca dentro do discurso de Jesus sobre o julgamento final. Se pensarmos no fim de nossa vida para prestar contas diante de Deus sobre nossos talentos, não tem como não faremos algo para multiplicá-los para o bem de todos.


Mas o que é TALENTO?


Tanto em inglês como em português contemporâneos, talento refere-se exclusivamente à aptidão natural e à capacidade inata de certas pessoas para certas funções. O evangelho nos relata que um proprietário, antes de viajar, deixa seus bens (talentos) aos empregados. E o que ele confia a cada um deles não é pouco: é talento. Um talento equivalia a 34,272 quilos de peso ou aproximadamente a seis mil denários  e tendo-se em vista que o salário mínimo de um trabalhador rural era um denário por dia (cf. Mt 20,1-16). Por isso, um talento correspondia, mais ou menos, a dezesseis anos e 160 dias de trabalho de um operário rural na época. Isto quer nos dizer que Deus confia para cada de nós uma enorme capacidade e que somos capazes de transformar o bom em algo melhor (multiplicar).


Na parábola dos talentos o amo (patrão) distribui para seus empregados suas riquezas (isto é, os interesses do Reino) tendo em conta as possibilidades de cada um, ainda que seja um só talento dado, e não quer exigir mais do que os empregados podem fazer. E o interessante é que o proprietário não diz o que ou como os servos devem fazer com os talentos recebidos (modo de multiplicar), porque ele sabe que cada um deles é capaz, pois ele confia a cada um de acordo com a própria capacidade e responsabilidade (v.15). “Faze o que podes. Deus não te pede mais”, dizia Santo Agostinho (Serm. 128, 10,12). “Deus não leva em conta teus talentos, mas tua disponibilidade. Sabe que fazes o que podes, mesmo que fracasses no resultado, e contabiliza em teu favor o que tentaste fazer e não pudeste, como se o tivesses conseguido”, acrescentou Santo Agostinho (Serm. 18,5).


O texto fala também do momento de prestar contas, ou seja, do momento de juízo e da recompensa. Neste ponto, o relato usa as mesmas palavras para os dois primeiros empregados: “servo bom e fiel”: estes empregados falam o que fizeram com os talentos e o dono não toma os talentos que multiplicaram e sim que a eles o dono dá muito mais e os associa ao gozo de sua vida.


O que acontece com aquele que recebeu só um talento? Aqui o texto se detém longamente e de forma antitética do que o texto precedente. Isto significa que o ponto alto da parábola se encontra aqui e se centra na sorte daquele que, tendo capacidade, não fez nada com o talento. Ao contrário, se preocupa em conservar intacto o talento recebido. Como qualquer que se sente culpável ou culpado, esse empregado intenta justificar-se e o faz atacando seu dono: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence”. Percebemos que o empregado não conhecia o seu dono, pois o que diz sobre seu amo não está certo. Ele acusa o dono de “um homem severo”, mas não foi com os outros dois empregados.


Além disso, o próprio empregado é dominado pelo medo: “... fiquei com medo e escondi o teu talento no chão”.  Sua atitude era realmente uma atitude de escravo, nunca chegou a conhecer o dono. Ele parece como certos cristãos que vivem com medo do Senhor (Deus), pois O veem como “juiz” e não como “Amor” (cf. 1Jo 4,8.16); não se sente como “filhos” e por isso, não se encontram sob a ação do Espírito Santo que ajuda a dizer: Abba, Papaizinho (Rm 8,15). “Deus não condena quem não pode fazer o que quer, mas quem não quer fazer o que pode”, dizia Santo Agostinho


Trata-se dos interesses do Reino, das riquezas do Senhor quando se fala dos talentos neste evangelho. Cada um tem obrigação de fazer frutificar os bens do Reino durante o tempo que a cada um foi concedido para administrá-lo (talento). Para Mateus este tempo é o tempo da Igreja, tempo de cada um de nós.


Deus confiou seus tesouros a todos os homens para serem administrados. Tudo o que temos é um bem que nos foi confiado. Deus tem confiança em nós ao nos dar “seus bens”. Eu sou “propriedade privada” de Deus. Todos os dons, todos os valores e riquezas que estão em mim, pertencem a Deus. Deus põe em jogo Sua Palavra como o faz um financista com seu capital. O empregado que recebeu um só talento, recusando mesquinhamente todo tipo de riscos, se decide por escolher uma segurança falsa, já que uma riqueza morta, sem investir, se desvaloriza. Quem não multiplica o que tem, o dilapida/ desperdiça. Quem “enterra” seu talento por medo a perdê-lo, se enterra a si mesmo e opta pela morte.


Para quem não viver uma espera ativa (as duas parábolas falam da demora da chegada do noivo [Mt 25,5] e do dono [Mt 25,19]), para quem não viver como terreno bom e fértil que dá como fruto trinta, sessenta ou cem por um (Mt 13,8.23), segundo sua situação, haverá somente condenação. Condenação é viver afastado do próprio Senhor; é viver fora de Sua casa; é viver atormentado. Por seis vezes, estes se descrevem com a imagem:Ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt 8,12; 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30). “Ninguém está tão só do que aquele que vivem sem Deus”, dizia Santo Agostinho.


O bom cristão não esconde o seu talento, mas aplica. Não enterra, mas planta; não guarda, mas multiplica; não se apropria, mas tudo coloca à disposição de todos para o bem de todos. Nenhum cristão pode ficar feliz enquanto outro irmão está passando por alguma necessidade. Podemos dizer que para o cristão, o bom negócio mesmo nessa passagem de vida é “partilhar”. Levaremos uma vida melhor, mais saudável e mais longa trabalhando juntos. A completa auto-suficiência é uma ilusão egoísta. Há muito mais força e felicidade na cooperação e na partilha. Você tem realizado e multiplicado os talentos que Deus depositou em você?

P. Vitus Gustama,svd
JOÃO BATISTA É DECAPITADO COMO MÁRTIR

29 de Agosto


Evangelho: Mc 6,17-29

Naquele tempo, 17 Herodes tinha mandado prender João, e colocá-lo acorrentado na prisão. Fez isso por causa de Hero­díades, mulher de seu irmão Filipe, com quem se tinha casado. 18 João dizia a Herodes: “Não te é permitido ficar com a mulher do teu irmão”. 19 Por isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, mas não podia. 20 Com efeito, Herodes tinha medo de João, pois sabia que ele era justo e santo, e por isso o protegia. Gostava de ouvi-lo, embora ficasse embaraçado quando o escutava. 21 Finalmente, chegou o dia oportuno. Era o aniversário de Herodes, e ele fez um grande banquete para os grandes da corte, os oficiais e os cidadãos importantes da Galileia. 22 A filha de Herodíades entrou e dançou, agradando a Herodes e seus convidados. Então o rei disse à moça: “Pede-me o que quiseres e eu to darei”. 23 E lhe jurou dizendo: “Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. 24 Ela saiu e perguntou à mãe: “O que vou pedir?” A mãe respondeu: “A cabeça de João Batista”. 25 E, voltando depressa para junto do rei, pediu: “Quero que me dês agora, num prato, a cabeça de João Batista”. 26 O rei ficou muito triste, mas não pôde recusar. Ele tinha feito o juramento diante dos convidados. 27 Imediatamente, o rei mandou que um soldado fosse buscar a cabeça de João. O soldado saiu, degolou-o na prisão, 28 trouxe a cabeça num prato e a deu à moça. Ela a entregou à sua mãe. 29 Ao saberem disso, os discípulos de João foram lá, levaram o cadáver e o sepultaram.
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São João Batista é o único santo de quem a Igreja comemora o nascimento e a morte, pois ele é o Precursor do Senhor. No dia 24 de Junho, a Igreja celebra o seu nascimento, e no dia 29 de agosto comera o dia de sua morte como mártir, decapitado por ordem de Herodes.


Como observação inicial vamos lançar a seguinte pergunta: Por que é introduzido o episodio sobre a morte de João Batista num evangelho cujo tema fundamental é dizer quem é Jesus? A resposta é simples: para continuar explicando quem é Jesus, na realidade que é o objetivo principal do evangelho de Marcos. Aqui o evangelista Marcos toma posição a respeito das opiniões do povo e diz que Jesus não é Elias, enquanto que João Batista o é, como profeta (cf. mc27-30). Já havia insinuado ao descrever João Batista com a vestimenta do profeta Elias (Mc 1,4). Agora, o faz apresentando João Batista que se enfrenta a um rei e sua cônjuge, Herodíades, que intenta eliminar o incômodo profeta, João Batista. Não aconteceu também com o temível profeta Elias contra o rei Acab e Jezabel, sua esposa? (cf. 1Rs 18-19).


No texto do evangelho lido na festa do martírio de João Batista se encontram três personagens principais: Herodes Antipas, Herodíades (e sua filha) e João Batista.


Herodes Antipas era o filho de Herodes chamado o Grande, aquele perseguidor de Jesus-menino que havia mandado degolar os inocentes (Mt 2,13-23). Herodes Antipas reinava, como tetrarca, na Galiléia e em Perea desde a morte de seu pai. Ele é descrito como um homem rico e poderoso. Abusa da riqueza e do poder e é arrogante. Ele se entregou totalmente aos prazeres. Enganado por uma bailarina e por sua vingativa mãe, Herodíades, ele se converteu em um assassino de um inocente, João Batista. Desde que a moça dançarina entra na sala, tudo é um crescendo de horror e de pecado, até que o ódio da pecadora, Herodíades, se desafoga vendo numa bandeja a cabeça de João Batista, um homem justo e santo (Mc 6,20).


Herodíades é descrita como assassina sem compaixão. Injustamente se tornou esposa de Herodes Antipas. Herodíades era a mulher de Filipe, irmão de Herodes. Herodes tomou Herodíades por esposa que era proibido pela Lei (Ex 20,17; Lv 18,16;20,21). João Batista não era parcial com os poderosos e denunciou essa injustiça. A mais sensível a essa denúncia é Herodíades, a adúltera. Para Herodíades a denúncia de João Batista feriu seu orgulho e sua soberba. Ela não quer saber da verdade na denúncia de João Batista. Por isso, ela se propõe a acabar com a vida de João Batista. O ódio e a vingança levam essa mulher a procurar todos os meios, utilizando até a própria filha, para eliminar João Batista do seu mundo. Herodíades quer tirar a vida de João, mas há um obstáculo a seu intento: o temor que Herodes sente por João, por ele considerado um homem justo, de conduta agradável a Deus e santo ou consagrado por Deus, profeta.


Perguntamos para nós mesmos: Por que você vira meu inimigo só porque eu falo a verdade sobre você? Por que vergonha? Por que essa reação violenta? A verdade continua sendo verdade mesmo que as pessoas tentem manipulá-la.
 

O dia oportuno é a ocasião propícia para que Herodíades cumpra seu desígnio de matar João Batista. Celebra-se a vida de Herodes, o poder absoluto e com ele a celebram os representantes de todos os possuidores do poder.
  

Aparece outra personagem, a filha de Herodíades, sem nome, que se define por sua mãe. Sem nome significa não tem personalidade própria. Por isso, ela representa o povo sem vontade própria (o povo submisso) e a mãe representa a classe dirigente ou classe dominante. A moça não tem vontade própria; mostrando sua total dependência, vai perguntar à mãe o que quer que a filha faça. Herodes faz promessa à filha de Herodíades: “Pede-me o que quiseres e eu to darei. Eu te darei qualquer coisa que me pedires, ainda que seja a metade do meu reino”. Mas quem decide é a mãe, que busca só seu próprio interesse: eliminar João (quer a cabeça de João Batista). A maldade só pode produzir a maldade. Mas a maldade não é capaz de enterrar a bondade. O sangue de um mártir é a semente para a Igreja.


Marcos sublinha a imaturidade da jovem: entra logo, a toda pressa, sem criticar nem julgar a decisão da mãe nem considerar se era ou não favorável para ela: ela é a escrava de sua mãe, é uma pessoa sem personalidade e sem valores vividos e por isso, sem posição certa na vida. os valores vividos orientam nossa maneira de viver e nossas escolhas na vida. Sem os quais a vida se torna sem rumo e sem objetivos claros.


No poder civil há um resto da humanidade: Herodes estimava João Batista e sabe que o que pedem não é só uma injustiça, mas também um desprezo a Deus. Mas um rei sem valores vividos não quer ficar em má situação, pois ele acha que perderia seu prestígio. Herodes Antipas, o covarde, mandou tirar, então, a cabeça de João Batista em nome da vaidade. Um vaidoso é uma pessoa frívola, presunçosa e incoerente. Sem juízo e sem bom senso, ele vive só para aparecer e ser admirado. Na prática, o prazer de um vaidoso não consiste em possuir méritos, mas em saber que os outros o elogiam.


Além de ser vaidoso, Herodes é uma pessoa extremamente orgulhosa. O orgulhoso não se preocupa em conhecer a verdade, mas apenas em ocupar uma posição em que ele possa ser o centro e a norma. Ele pretende que tudo esteja sujeito a si próprio. Ele é prepotente, arrogante, insolente e violento. Seus atos não precisam respeitar moral alguma, mas impõe aos outros normas morais.


Os psicólogos dizem que soberbo, vaidoso, arrogante, presunçoso, endeusado, imodesto, pedante, petulante, narcisista, autossuficiente, envaidecido, presumido são todos sinônimos de uma mesma palavra: orgulhoso. Só de pensar que alguém reúne todos esses qualificativos, essa pessoa já tem ‘má reputação’. Numa pessoa que tem uma personalidade narcisista e desvio de caráter não entra mudança nenhuma. A palavra “autossuficiente” já diz tudo.


Da atitude de Herodes Antipas percebemos que no poder civil, muitas vezes, para não dizer sempre, os interesses do poder estão acima do humano. O evangelho nos relata que da parte dos convidados, não há nenhuma reação: tudo é permitido ao rei, dono da vida de seus súditos. Herodes mandou tirar a cabeça de João Batista. E a jovem dá a cabeça de João Batista à mãe, e ela mesma fica sem nada.
   

De Herodes podemos tirar muitas outras lições. Em primeiro lugar, nunca façamos promessas quando formos dominados por uma grande emoção. Sejamos cautelosos, prudentes, sóbrios em tudo. “Quem não se controla no lícito está em perigo de sucumbir diante do ilícito. Por isso, o sóbrio se abstém da saciedade para não cair na embriaguez”, dizia Santo Agostinho (De ut. Jej. 5,6).  Herodes Antipas tem medo ao mesmo tempo ama João Batista: odeia a mensagem de João Batista, mas incapaz de se livrar da admiração por ele. Mas em nome da vaidade e do poder, Herodes não quer saber da verdade. Herodes não entende que aquele que conhece a verdade e vive de acordo com a verdade é um homem mais livre do mundo (cf. Jo 8,32). Herodes é também um homem que age por impulsos. Dele aprendemos que saibamos pensar antes de falar e de agir. Muitos acham que falar o que pensar seja uma virtude. Mas na verdade a verdadeira virtude é pensar bastante antes de falar. Se o mundo vive reagindo, o cristão deve viver refletindo.


O caso de Herodes e Herodíades é um caso típico de como um pecado leva a cometer outro pecado. Herodes e Herodíades começaram sendo adúlteros e terminaram sendo assassinos. O pecado de adultério levou os dois ao crime, ao assassinato de um santo, de um inocente, de um João Batista. Herodes e Herodíades calaram a santa boca que recordava o dever; calaram a boca do pregador da virtude. Mas a boca que recorda o dever pode ser tirada, mas não o próprio dever tatuado em cada coração. A boca que prega a virtude pode ser calada, mas não a virtude que habita em cada coração que sempre grita diante da desonestidade.


Com o seu exemplo cheio de fortaleza, João Batista nos ensina a cumprir, apesar de todos os obstáculos, a missão de viver de acordo com a justiça, a verdade, a retidão. É viver a função profética de anunciar o bem e de denunciar o mal e a maldade na convivência. Cada um recebeu de Deus essa missão profética através do sacramento do Batismo. João Batista foi um verdadeiro mártir, pois foi morto por cumprir seu dever de viver de acordo com a retidão e a verdade.


Façamos uma pausa e consideremos quantas vezes na história, antes ou depois de João Batista, aconteceu o mesmo fato: que quem denuncia a mentira e defende a verdade, que quem condena o pecado e proclama a virtude, que quem fustiga a injustiça e prega a dignidade humana é a vítima ou o objeto de zombaria e é condenado diante do tribunal do ímpio, mas é glorificado e coroado diante do tribunal de Cristo (cf. Mt 7,21-23; 25,31-46).


Para Refletir:

·      O orgulho é o complemento da ignorância (Bernard de Fontenelle).

·  Se o homem orgulhoso soubesse como parece ridículo perante quem o conhece, por orgulho seria humilde (Mariano Aguiló).

·  A ciência é orgulhosa pelo muito que aprendeu; a sabedoria é humilde pelo que sabe (William Cowper).

·  O conhecimento aumenta nosso poder na mesma proporção em que diminui nosso orgulho (Paul Bernard, Tristão).

P. Vitus Gustama,svd
 
ESTEJAMOS VIGILANTES

Quinta-Feira Da XXI Semana Comum
28 de Agosto de 2014
 
 
Festa de Santo Agostinho
 

Evangelho: Mt 24,42-51

Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 42 “Ficai atentos! porque não sabeis em que dia virá o Senhor. 43 Compreendei bem isso: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. 44 Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá. 45 Qual é o empregado fiel e prudente, que o senhor colocou como responsável pelos demais empregados, para lhes dar alimento na hora certa? 46 Feliz o empregado, cujo senhor o encontrar agindo assim, quando voltar. 47 Em verdade vos digo, ele lhe confiará a administração de todos os seus bens. 48 Mas, se o empregado mau pensar: ‘Meu senhor está demorando’, 49 e começar a bater nos companheiros, a comer e a beber com os bêbados; 50 então o senhor desse empregado virá no dia em que ele não espera, e na hora que ele não sabe. 51Ele o partirá ao meio e lhe imporá a sorte dos hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes”.

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Não enganes a ti mesmo. Gostes ou não, não és mais que um convidado, um transeunte, um peregrino neste mundo. Podes, pois, adoçar teu caminho; porém, por mais que queiras, não poderás converter-te em residente (Santo Agostinho. In ps. 120,14)


O conjunto de Mt 24,1-25,46 forma o quinto Discurso de Jesus no evangelho de Mateus: o Discurso sobre o fim do mundo. Trata-se de um discurso apocalíptico-escatológico.


O termo “apocalipse” é muito longe da linguagem moderna que suscita imediatamente idéias de catástrofe, de desastre total, de comoções cósmicas aterradoras. No entanto, a linguagem apocalíptica quer expressar a fé e a esperança numa orientação divina da história humana e da criação. Os autores de apocalipses, diante do desenvolvimento de fatos inevitáveis, de catástrofes, de ruínas e de mudanças históricas, cantam sua esperança no cumprimento das promessas movidos pela fé no triunfo de Deus, aparentemente impossível, porém seguro: Deus triunfará sobre o mal. Conseqüentemente eles querem transmitir a força, o ânimo e a perseverança em seguir os mandamentos do Senhor, pois no fim a última palavra será a Palavra de Deus e não a do homem.


Na primeira parte do quinto discurso de Jesus (Mt 24,4-41), ao revelar o futuro dos discípulos, um futuro “presente”, Jesus quer ajudá-los a entender como devem viver na história a missão que lhes é confiada para pregar o Evangelho do Reino a todas as nações (24,14; 28,18-20), confiando em Sua Palavra (Mt 24,25).


O quinto discurso é chamado também de “o discurso escatológico”. “Escatologia” é o discurso sobre o que ocorrerá no fim. Quando falamos de realidades futuras e finais (escatologia), o texto assinala duas expressões: “Vinda do Senhor” e “Fim do mundo”. Quando intentamos a viver à espera do encontro com o Senhor, que terá lugar para o final da história, então dizemos que estamos dando um “sentido escatológico”  para nossa existência. O mandato será: “Vigiai porque não conheceis nem o dia nem a hora”. O discurso termina falando do “encontro” com o Senhor glorioso (Mt 25,31-46).


O texto do evangelho de hoje começa com a seguinte ordem: “Ficai atentos! Porque não sabeis em que dia virá o Senhor”. Esta é a mensagem que a Palavra de Deus dirige a cada um de nós hoje. “Ficai atentos! Estejais vigilantes!”. Por um lado, é a certeza da vinda-regresso do Senhor. Por outro lado, a incerteza do “quando” desta vinda. Esse fato põe, de manifesto, a importância do tema sobre a vigilância. São João Crisóstomo dizia: “Se os homens conhecessem o momento de sua morte, eles se preparariam com grande empenho e cuidado para essa hora”. Jesus nos disse isto com parábolas que encontramos neste quinto discurso.


“Ficai atentos! Porque não sabeis em que dia virá o Senhor”. Ficai atentos! Estejam vigilantes! Velar ou vigiar, em sentido estrito, significa renunciar ao sono da noite para terminar um trabalho urgente e importante ou para não ser surpreendido pelo inimigo. Em um sentido mais simbólico significa lutar contra a negligência para estar sempre em estado de disponibilidade. É viver uma vida atenta à voz do Senhor e vigilante diante dos sinais da realidade.


Vigiar significa não distrair-se, não adormecer-se. Vigiar faz parte inseparável da própria atenção. O cristão não pode ser alienado. Ser vigilante faz parte do discipulado. Quem é vigilante nota com facilidade o que está acontecendo ao redor. A vigilância é a atitude própria do amor que vela. O amor mantém o coração alerta e a disponibilidade para ajudar. No meio de uma sociedade que parece muito contente com os valores que tem, o cristão é convidado a viver na esperança vigilante. Vigiar significa ter o olhar posto nos “bens de cima”. Vigiar é viver despertos, em tensão, mas não com angústia e sim com seriedade. O cristão precisa se esforçar por buscar sempre as “coisas do alto”, os valores que o edificam e salvam, como a fraternidade, o amor, a solidariedade, o projeto de Deus, entre “as coisas de baixo”, como egoísmo, ganância, exploração, arrogância, ódio e assim por diante. Em outras palavras, nós cristãos temos que ser protagonistas não somente da espera do Reino, mas também de sua construção desde agora neste mundo.


A vigilância perseverante nos leva a ser considerados bem-aventurados pelo Senhor quando vier: “Feliz o empregados cujo senhor o encontrar agindo assim quando voltar” (Mt 24,46). Será que o Senhor vai me considerar bem-aventurado quando ele chegar? É a pergunta que nos faz vigilantes e nos faz revermos nossas atitudes. Estou suficientemente atento e disponível para escutar os sinais, através dos quais Deus me apresenta as suas propostas?.


A vigilância, para um cristão, não é opcional. O futuro de cada homem é imprevisível. A imprevisibilidade do futuro reclama vigilância. O homem prudente, sensato não considera a atitude vigilante como algo simplesmente possível, uma entre outras muitas opções. A vigilância é a melhor opção. Vigiar para ser capazes de dominar os acontecimentos, no lugar de ser dominados por eles. Vigiar para não perder jamais a paz. Vigiar para descobrir a escritura de Deus nas páginas da história. Vigiar para saber descobrir a ação do Espírito no nosso interior. Vigiar para manter íntegras a fé, a esperança e a caridade. A vigilância não é um opcional e sim uma necessidade vital. Vigiar é viver como o lavrador que semeia e está sempre pensando em ter boa colheita, e como o desportista que, desde o primeiro esforço, sonha em chegar primeiro à meta.


Um cristão não pode ser nem estar alienado. Ele deve estar em alerta constante, sempre pronto para a ação, e preparado para servir dia e noite. Servir para o cristão não é opcional, é lei constitutiva da vida cristã. O Senhor voltará com toda segurança no nosso encontro derradeiro. O discípulo não pode ficar adormecido. Ele deve permanecer alerta, sempre em tensão e em atenção. Somente assim ele assegurará a comunhão com o Senhor no gozo e no amor.


É sábio quem vive na vigilância permanente e sabe olhar para o futuro. Não é porque não saiba gozar da vida presente e cumprir suas tarefas de hoje e sim porque sabe que é peregrino nesta vida e o importante é assegurar-se sua continuidade na vida eterna. É viver com uma meta e uma esperança. Por isso, o trabalho neste mundo para o cristão é um compromisso pessoal para transformar-se a si mesmo e para transformar o mundo em que vive.


A fé é sempre um êxodo, uma saída, o começo de um caminho até o futuro de Deus que nos traz a salvação. Quem crê está sempre de passo, vive como um estrangeiro, como um nômade. Assim viveu Abraão, inclusive na terra que Deus lhe havia prometido (Gn 17,8; 20,1; 21,23; 24,37). A “terra prometida” é o símbolo da cidade futura, da cidade que Deus constrói para os que a buscam e põem nela toda sua esperança. No campo aberto pela promessa de Deus, o homem de fé se arrisca investindo toda sua vida e gera nova vida sobre sua debilidade ou fraqueza.


O cristianismo não está preocupado pela futurologia que se sustenta nas possibilidades humanas, nas previsões e tendências atuais para prever o futuro, e sim radicalmente pelo futuro que provém da promessa de Deus. Para Deus promessa significa certeza: “As minhas Palavras não passarão”, disse Jesus (Mc 13,31). Para Jesus o depois se inicia como algo já presente no agora. Isto que dizer que já agora temos que viver como viveremos depois, como rezamos no Pai-Nosso: “assim na terra como no céu”.

P. Vitus Gustama,svd

 
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SANTO AGOSTINHO

(28/08)

Neste dia celebramos a festa de Santo Agostinho. Santo Agostinho nasceu em Tagaste (África) em 354. Depois de uma juventude conturbada, converteu-se aos 33 anos em Milão, onde foi batizado pelo bispo Ambrósio. Regressando à sua pátria e eleito bispo de Hipona, desenvolveu uma enorme atividade por meio da pregação e dos seus escritos doutrinais em defesa da fé. Ele é um dos grandes Doutores da Igreja. E é um mestre, teólogo, filósofo, moralista e apologista. Morreu em 430.


Não é fácil falar de nossos próprios defeitos e fraquezas para os outros, muito menos publicá-los. Mas acontece o contrário com o Santo Agostinho. Agostinho é um santo que não tem medo nem vergonha de falar com sinceridade e simplicidade de suas fraquezas e que os publicou como uma confissão num livro se chama “Confissões” de Santo Agostinho.  Neste livro Santo Agostinho mostra a realidade nua e crua de sua alma com sinceridade e simplicidade.


Santo Agostinho recebeu uma educação cristã de sua mãe, Santa Mônica. Mas essa educação materna e o amor à verdade, que sempre existiu na alma de Agostinho, não o livraram de cair em graves erros e de levar uma vida moral muito afastada de Deus. Mas ele confessou: “Ninguém está tão só do que aquele que vive sem Deus. O homem, para onde se dirija, sem se apoiar em Deus, só encontrará dor”. Por isso ele escreveu: “...fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti. Dá-me, Senhor, saber e compreender qual seja o primeiro: invocar-te ou louvar-te; conhecer-te ou invocar-te. Mas, quem te invocará sem te conhecer? Por ignorá-lo, poderá invocar alguém em lugar de outro..... Quem o procura, o encontra, e tendo-o encontrado, o louvará. Que eu te busque, invocando-te; e que eu te invoque, crendo em ti: tu nos foste anunciado” (Confissões,I,1). “Quando estiver unido a ti com todo o meu ser, não mais sentirei dor ou cansaço. Minha vida será verdadeiramente vida, toda plena de ti” (X,39).


Depois de ter passado anos em busca da verdade sem encontrá-la, chegou à convicção, com a ajuda da graça que a sua mãe implorou constantemente, de que só em Cristo é que encontraria a verdade e a paz para a sua alma. Finalmente ele se converteu. Ele se lamentou porque tarde demais encontrou Deus: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora... Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Tua luz afugentou a minha cegueira. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz” (Confissões, X,27). “O céu e a terra estão gritando: “Fomos feitos por Deus”.


Tudo isso quer nos ensinar que nada e ninguém é perdido nesta vida, enquanto a nossa fé em Deus continua forte e inabalável em qualquer situação. Santa Mônica e Santo Agostinho são grandes provas de tudo isso. O senhor nunca nos nega a sua ajuda. E se tivermos a desgraça de ofendê-lo gravemente, Ele nos esperará em cada instante, como esperou durante tantos anos pelo regresso de Santo Agostinho a exemplo do filho pródigo que voltou para sua casa.


Outros conselhos de Santo Agostinho:

·        Escuta primeiro ao que fala dentro e desde dentro, fala depois aos que estão fora” (In ps. 139).

·        A ignorância mais refinada é a ignorância da própria ignorância” (Conf. 5,7). “Com relativa freqüência a ignorância põe máscara e capa de simplicidade” (idem 2,9). “O reconhecimento da própria ignorância é a primeira prova de inteligência” (Serm.301,4,3).

·        Quanto mais curioso torna-se o homem por conhecer a vida alheia, tanto mais relaxado se torna para consertar a sua própria” (Conf.10,3). “Quanto menos atenção o homem presta aos seus próprios pecados, tanto mais curioso ele se torna em relação aos alheios. Não podendo desculpar-se a si mesmo, trata de salvar a pele acusando os outros” (Serm.19,2). “Amando ao próximo tu limpas os olho para ver a Deus” (In Joan.17,8). Quanto mais amas, mais alto tu sobes (In ps. 83,10)

·        Não Andes averiguando quanto tens, mas o que tu és (Serm. 23,3). Dentro do coração sou o que sou (Conf. 10,3). Conserve o que tens dentro e não terás de temer nada de fora (In ps. 35,17). O homem não se torna bom por possuir coisas boas. Ao contrário, o homem bom torna boas as coisas que possui, ao usá-las bem (Epist. 130,2,3).

·        O homem não se movimenta pelos pés, mas pelos afetos. Até os próprios pés ele move por afetos (In ps. 9,15). Quanto mais cresce teu amor, maior é tua perfeição. A perfeição da alma é o amor (In epist. Joan. 9,2). Amando o próximo limpas os olhos para ver Deus (In Joan. 17,8). Tempera tua ciência com amor e tua ciência será útil. Não por si mesma, mas pelo amor (In Joan. 18,6). O homem novo canta um cântico novo quando vive uma vida nova, a vida do amor. Cantar é sempre sinal de felicidade e coisa de amantes (Serm. 34,1,1).

P. Vitus Gustama,svd

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