terça-feira, 13 de janeiro de 2015

20/01/2015
 
SER HUMANO É MAIS SAGRADO DO QUE QUALQUER LEI RELIGIOSA

Terça-Feira Da II Semana Comum

 FESTA DE SÃO SEBASTIÃO


Evangelho: Mc 2,23-28

23Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. 24Então os fariseus disseram a Jesus: “Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?” 25Jesus lhes disse: “Por acaso, nunca lestes o que Davi e seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e tiveram fome? 26Como ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães oferecidos a Deus, e os deu também aos seus companheiros? No entanto, aos sacerdotes é permitido comer esses pães”. 27E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. 28Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado”.

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A controvérsia entre Jesus e os fariseus continua. No dia anterior a controvérsia era sobre o jejum. Hoje a discussão ou a controvérsia está em torno do Sábado e sua observação.


O sábado era um dos principais mandamentos para os judeus.  A finalidade de sua observação era, inicialmente, para o descanso humano para celebrar a libertação humana (Dt 5,12-15). Na linha sacerdotal (cf. Ex 20,8-11) a finalidade do sábado era para imitar o repouso de Deus ao findar-se a obra da Criação. O sábado tornou-se como dia para ser dedicado a Deus e ao culto. A partir do exílio na Babilônia a valorização do sábado se tornou exagerada. Observar o sábado entre os pagãos, durante o exílio, era um sinal da identidade israelita. Era tão importante como todos os mandamentos juntos. Todo trabalho era proibido (234 atividades proibidas).  Transgredir o sábado podia levar o acusado à condenação dependendo da gravidade do ato até a pena de morte (cf. Ex 31,12-17; 35,1-3). O sábado se tornou, então, algo pesado para o povo. A instituição do sábado que tinha como finalidade assegurar o homem o tempo de repouso necessário para a realização da vida foi esquecida.


Os discípulos de Jesus arrancavam espigas durante o caminho com Jesus. Tirar espigas era uma das trinta e nove formas de violar o sábado, segundo as interpretações exageradas que algumas escolas dos fariseus faziam da lei na época. Por isso, os fariseus se escandalizam quando percebem que os discípulos de Jesus arrancam as espigas para matar a fome no dia de sábado. “Quem não sabe julgar o que merece crédito e o que merece ser esquecido presta atenção ao que não tem importância e se esquece do essencial” (Buda).


“Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?”, disseram os fariseus a Jesus.


Os guardiões da Lei estão aqui: os fariseus. Os que se acham proprietários da Lei de Moisés e que se acham únicos intérpretes autênticos, e que se atribuem a si mesmas o papel de velar sobre todos desvios da Lei. O grande critério legalista e formalista está em torno de : “permitido”  e “proibido”.


Diante dessa crítica Jesus aplica um princípio fundamental para todas as leis: “O Sábado foi feito para o homem e não o homem para o Sábado”.


Quão surpreendente é a resposta de Jesus! É surpreendente porque para Jesus, a vida do homem está acima das prescrições cultuais. Os mais elementares detalhes da lei natural como direito de comer e de beber, direito de ter moradia, e assim por diante, devem ser observados mais do que as práticas estritamente religiosas. De outra forma, podemos dizer que a tradução da minha prática religiosa é ajudar os necessitados. 2. A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40).

·        A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança” (Papa Bento XVI: Carta Encíclica CARITAS IN VERITATE no. 2).


O homem está sempre no centro da doutrina de Jesus. Jesus olha para a necessidade real do homem e se oferece como solução. Em nome do ser humano, nas suas necessidades básicas, principalmente quando se trata de salvar ou proteger a vida, Jesus é capaz de “transgredir” a Lei por sagrada que ela pareça ser. Por causa de mim, ser humano, Deus aceitou se encarnar em Jesus para me dizer que não estou sozinho na minha luta pela vida digna. Deus entra no tempo humano para que o tempo humano (kronos) se transforme em tempo da graça (Kairós). Deus se fez homem para que o homem se tornasse divino.  A eternidade entra na efemeridade para se transformar em imortalidade por amor. Deus quer vida em abundância para todos (Jo 10,10). Para Jesus, o ser humano é mais sagrado do que qualquer lei. A preocupação de Jesus é fazer o bem para o homem, mesmo no dia de Sábado. A lei do Sábado foi dada precisamente a favor da liberdade,  da vida, do bem e da alegria do homem (Dt 5,12-15).


Por isso, o espírito da lei deve estar sempre ao serviço de Deus para glorificá-Lo, e ao serviço do ser humano para dignificá-lo. A glória de Deus é a vida e a felicidade de seus filhos, os seres humanos. Para Jesus, as leis ainda que sejam sagradas, não podem estar por cima da vida, das necessidades vitais, da felicidade, da plena realização dos seres humanos. Por isso Jesus tem coragem de afirmar: “O Sábado foi feito para o homem e não o homem para o Sábado”.


Nós que cremos em Cristo devemos saber dar culto a Deus manifestando-Lhe, assim, nosso amor, mas não podemos deixar de amar nosso próximo ajudando-lhe a remediar suas necessidades. Se não o nosso culto e nosso amor a Deus seriam inúteis e hipócritas.


A fidelidade às tradições religiosas deve favorecer ao direito à vida. As tradições religiosas, que não apóiam o direito à vida, perdem sua razão de existir. Para Jesus a finalidade de qualquer lei religiosa deve ajudar o ser humano a ter uma verdadeira experiência de encontro com a vontade de Deus resumida no mandamento do amor fraterno. Praticar as leis religiosas sem levar em conta o respeito pela vida seria inútil. Jesus é o Senhor do Sábado. Se o Sábado devia significarlibertação”, Jesus é o Senhor da libertação. Se o Sábado devia significarsantificação”, Jesus é o Senhor da santidade e da santificação. Uma libertação sem Jesus será opressão reeditada de outro modo. Uma santificação sem Jesus será egoísmo, orgulho ou vaidade, editados de outros modos.


Não podemos viver sem leis, normas ou regras que nos ajudem a dirigir ou governar nossa vida. A liberdade sempre supõe a existência de regras. Da nossa própria casa (família) até as ultimas instituições necessitam de leis, normas ou regras. Mas aqueles que são encarregados da aplicação dessas devem ter sempre em conta o “espíritoque as inspirou e que em ultima instância é o bem dos indivíduos e da comunidade.


A lei é boa e necessária. A lei é, na verdade, o caminho para levar à prática do mandamento do amor. Somente a lei do amor rompe fronteiras, divisões, prejuízos e escravidões. Por isso mesmo, a lei não pode ser absolutizada. O Sábado, para nós o domingo, está pensado para o bem do homem. É um dia em que nos encontramos com Deus, com a comunidade, com a natureza e com nós mesmos. O descanso é um gesto profético que nos faz bem a todos para fugir ou escapar da escravidão do trabalho ou da carreira consumista. O dia do Senhor é também dia do homem, com a Eucaristia como momento privilegiado.


“O sagrado do sábado” comenta o rabino Nilton Bonder, “não é o descanso em si, mas o ritmo mágico do trabalho ao descanso e ao trabalho novamente. É essa entrada e saída que é sagrada. (...) Sem as pausasapenas ilusão; sem os silênciosapenas ilusão da música; sem a luz-transparência há apenas ilusão da cor” (cf. Código Penal Celeste).


A partir do ensinamento de Jesus no evangelho deste dia precisamos nos perguntar: “Não somos, às vezes, demasiados legalistas? Não julgamos nossos irmãos quando cremos que não cumprem as leis ou as regras, sejam as leis humanas, as leis da Igreja ou as leis consideradas como divinas? Se para Jesus o homem está sempre no centro de seu ensinamento, será que colocamos o ser humano como centro de nossas atividades diárias e pastorais?”. Não somos hipócritas ao dizer aos outros, antes do momento da comunhão, alegando isso como alerta: “Quem não está preparado, não pode comungar”. Ou, “Quem não participou da missa dominical, não pode comungar”. Por acaso, a pessoa que fala disso está realmente preparada para comungar? Esse tipo de “alerta” não seria uma expressão da arrogância espiritual? Será que a pessoa que diz isso não tem consciência de que ela está dizendo indiretamente: “Eu estou preparado, você não. Eu sou santo... você é pecador?”.


A denúncia da escravidão ao sábado nos convida a nos libertarmos da religião da observância formal e segui-la pelos caminhos do amor libertador. Quando as coisas materiais ou rituais mandam, e não a lei do amor, o homem se faz escravo. Somente a lei do amor rompe fronteiras, divisões, prejuízos e escravidões. Ama menos quem se preocupa demasiadamente com as regras religiosas.


P. Vitus Gustama,svd

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