Domingo,17/05/2015
ASCENSÃO DO SENHOR
Ano “B”
Evangelho:
Mc 16,15-20
Naquele tempo, Jesus se manifestou aos onze discípulos, 15e
disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! 16Quem
crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. 17Os
sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em
meu nome, falarão novas línguas; 18se pegarem em serpentes ou
beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos
sobre doentes, eles ficarão curados”. 19Depois de falar com os
discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. 20Os
discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e
confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam.
____________________
Mc 16,9-20, onde se encontra o nosso texto, é conhecido como
um “longo final” (final mais longo). O termo “longo final” é usado para
distingui-lo do “final breve” (Mc 16,8). A exegese moderna reconhece a
canonicidade deste texto, mas nega sua autenticidade como sendo de Mc. Uma
maioria absoluta dos biblistas, para não dizer todos, concorda que Mc 16,9-20
não faz parte do Evangelho de Mc. O Evangelho de Mc termina em Mc 16,8 (temos,
então, duas conclusões em Mc: 16,8 e 16,9-20). Os vv.9-20 não se encontram nos
códigos mais importantes do NT, como Sinaítico e Vaticano, nem em outros
escritos ou manuscritos antigos. Além disto, o estilo desta parte é totalmente
diferente do resto do Evangelho de Mc. Mc 16,9-20 foi acrescentado por um
anônimo (identificado como o presbítero Aristião) entre o fim do século I e o
início do século II. Como em outros evangelhos apresentam-se várias aparições
de Jesus e não se encontram em Mc, o autor anônimo desta parte preencheu esta
lacuna com esse “longo final”. Mas as aparições acrescentadas ficam no ar
porque não há nenhuma indicação de lugar. Por exemplo: Onde e como Jesus
apareceu a Maria Madalena fica totalmente obscuro. Assim é também em outras
aparições contidas nesse acréscimo. Como resultado disto, o leitor tem
dificuldade em pintar o que se relatou nesse acréscimo.
Esse acréscimo não contém nada de novidade. Ao contrário,
ele é formado de pequenos fragmentos encontrados em outros evangelhos e Atos
dos Apóstolos. Basta fazer comparação entre os seguintes textos: Mc 16,9-10 –
Jo 20,11-18 (Aparição a Maria Madalena); Mc 16,12-13 – Lc 24,13-35 (Aparição a
dois discípulos no caminho); Mc 16,14 –
Lc 24,36-43 (Aparição aos Onze durante a ceia);
Mc 16,15-17 – Mt 28,19-20 (Ordem para proclamar a Boa Nova); Mc 16,17-18
– At 28,3-6 (Sinais ligados com fé); Mc 16,19
– At 1,9-11 (Ascensão de Jesus); Mc 16,20 – At 14,31 (Proclamação confirmada
por sinais).
Algumas Mensagens
Deste Texto
A partir de Mc 16,9-20 podemos tirar algumas mensagens
sobre os deveres da Igreja. Quando se fala da Igreja fala-se de todos os
cristãos, isto é, de todos os batizados.
1).
A Igreja Tem Uma Tarefa/Dever De Pregar
Pregar é o dever da Igreja: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o
Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15; Mt 28,19-20). Isto quer dizer que é
o dever de cada cristão. Cada cristão tem dever de transmitir a Boa Nova de
Jesus para todos os que nunca a ouviram ou ouviram muito pouco. O dever do
cristão é ser o mensageiro de Jesus. Conforme o Evangelho de hoje, a primeira
tarefa de cada cristão é a de pregar/propagar a Palavra de Deus, principalmente
para aqueles que ainda não a escutaram/ viveram, pois “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e é útil para ensinar, para
repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se
torna perfeito, capacitado para toda boa obra” (2Tm 3,16-17). Cada cristão
é, então, o mensageiro de Cristo neste mundo. E cada cristão tem que usar todos
os meios ao seu alcance para propagar a Palavra de Deus: homilia, catequese,
meios de comunicação, literatura, arte, festas e convivência: “Proclama a Palavra, insiste no tempo
oportuno e no inoportuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e empenho
de instruir” (2Tm 4,2). Mas é o
anúncio respeitoso, sem impor, mas convidando; sem ameaçar, mas ofertando a
salvação que liberta. Deus propõe e não impõe. A cada um é dado o poder de
decidir com suas conseqüências.
Mas pregar supõe a vivencia da Palavra de Deus, pois
ninguém dá aquilo que não tem. Para ser mensageiro de Jesus, alguém tem que
ser, primeiro, discípulo do Senhor. Ser discípulo é aquele que sempre está à
disposição para aprender. Quem aprende, se renova. Quem se renova, avança e
cresce. A aprendizagem supõe sempre a humildade. Quem se arroga, fecha a porta
para a aprendizagem. Consequentemente, infantiliza-se e não cresce. A humildade
é o único terreno em que tudo de bom cresce bem.
A tarefa não é nem será fácil, pois anunciar a Palavra de
Deus significa também escutar os problemas, os questionamentos e as dúvidas daqueles
para os quais nos dirigimos. Todos têm o direito de duvidar. A dúvida não
significa a incredulidade, pois dúvida significa o estado de equilíbrio entre
afirmação e negação. Para poder negar ou afirmar alguém tem que ter dados ou
fundamentos. Saibamos reconhecer a verdade onde ela estiver! Aquele que ama a
verdade, não terá dificuldade em reconhecer a verdade em qualquer pessoa ou
lugar. As pessoa para quem nos dirigimos nos questionam e fazem nascer
incertezas nos portadores do Evangelho. Mas importa fazê-lo não como se
fôssemos donos da verdade, mas com humildade e sem temor aos “grandes” deste
mundo. A isso hoje nos chama a festa da Ascensão.
2).
A Igreja Tem Uma Tarefa/Dever/Missão De “Curar”
A Bíblia é o Livro da Vida. Ela nos ensina a vivermos com
plena saúde em todos os níveis (biológico, psíquico, social e espiritual) em
contato permanente com o Autor e fonte da vida que está na raiz do nosso ser,
em harmonia com todos os seres humanos e em sintonia com toda a criação. O Plano de Deus é que todos vivam e sejam
felizes: “Eu vim para que todos tenham
vida e a tenham abundantemente” (Jo 10,10; cf. Sl 103,3).
Há dois aspectos dominantes da atividade de Jesus narrados
nos evangelhos: a pregação da Boa Nova e a cura dos doentes (Mt 9,35). Jesus
ordenou aos seus discípulos que fizessem o que ele fazia sem nunca separar da
atividade evangelizadora a caridade que tem sua expressão privilegiada na cura
ou no cuidado dos doentes (cf. Lc 9,1-2; Mt 10,1). Ao mandar os discípulos à
missão, Jesus os recorda os dois aspectos da evangelização: “Proclamai que o Reino dos Céus está próximo.
Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os
demônios. De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10,7-8). A Igreja
apostólica tomou a sério a ordem de unir a cura dos doentes à pregação que
pode-se ler no livro dos Atos. As curas dos doentes, tanto nos evangelhos como
nos Atos, eram tão freqüentes e claras, que os próprios adversários não podiam
negar sua evidência. Cuidar dos doentes faz parte da missão da Igreja. A Igreja
não trabalha para salvar “almas” e sim para salvar o homem na sua integridade.
A palavra “salvar” vem do latim “salus” que inclui a saúde. No AT, através do
profeta Ezequiel, Deus repreende severamente os pastores por não terem cuidado
dos que sofrem: “Não restaurastes o vigor
das ovelhas abatidas, não curastes a que está doente, não tratastes a ferida da
que sofreu fratura, não reconduzistes a desgarrada, não buscastes a perdida;
antes, dominais sobre elas com dureza e violência” (Ez 34,4).
A Igreja deve se preocupar com o homem na sua integridade.
O cristão não pode limitar sua preocupação só na salvação da alma, mas do homem
todo: corpo e alma. São Tiago diz: “Meus
irmãos, de que serve para alguém alegar que tem fé, se não tem obras ?...
Suponhamos que um irmão ou irmã andam seminus, sem o sustento diário, e um de
vós lhes diz: ide em paz, aquecidos e saciados; mas não lhes dá as necessidades
corporais, de que serve ? Igualmente a fé que não vem acompanhada de
obras: está totalmente morta”(Tg
2,14-17). Não adianta consolar um faminto com conversa vazia, é preciso dar-lhe
uma ajuda concreta: não sendo assim, como pode falar da fé ou da Palavra de
Deus. Quem se deixa conduzir com docilidade por seus estímulos, embora não
esteja consciente dessa realidade, enveredou pelo caminho da fé, acredita mais
do que aquele que, em altas vozes, professa todos os dogmas, mas não toma a
decisão de adaptar a sua vida ao Evangelho.
3. A
Igreja Tem Uma Fonte De Força/Poder
Não precisamos pegar o texto literalmente. Não precisamos
pensar que o cristão tem literalmente o poder para segurar e levantar cobras
venenosas e beber veneno sem causar nenhum mal. Mas atrás desta linguagem
pitoresca está a convicção de que o cristão é cercado ou está cheio de força de
Cristo para enfrentar qualquer dificuldade nesta vida que os outros não possuem,
“Pois
estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os
principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a
profundeza, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,38-39).
O texto do Evangelho de hoje concluiu: “O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra
por meio dos sinais que a acompanhavam” (Mc 16,20b). É verdade que a
presença física do Senhor Jesus já não está conosco. Porém, Sua presença e Seu
poder estão em Sua Palavra que diariamente nos é proclamada, estão na
Eucaristia que atualiza e nos presenteia a imensidade de Seu amor, estão em Seu
Espírito que nos inspira e salienta (torna claro) cada impulso de autenticidade
evangélica nos membros de Sua Igreja. O Senhor, misteriosamente e
incompreensivelmente, caminha e atua conosco e através de nós. Viver esta
certeza será nossa força e coragem para levar adiante a Palavra de Deus e o
mandato recebido.
4. Ascensão é Festa Para o Compromisso
Jesus terminou Sua obra, mas Ele nos deixou a missão para
continuá-la: “Ide pelo mundo inteiro e
anunciai o Evangelho a toda criatura!”. Jesus não nos quer que olhemos
apenas para o céu e sim que trabalhemos para que a terra seja um céu para
todos. Temos que ser ouvido de Deus e Sua mão amiga nesta terra.
Jesus não está aqui fisicamente, mas podemos lhe
emprestar nosso corpo para fazer Jesus presente no mundo. Jesus já não tem
aqui Suas mãos, mas as nossas lhe servem para continuarmos a abençoar, a
libertar e a construir a fraternidade. Jesus não pode mais, fisicamente,
percorrer nossos caminhos, mas podemos emprestar nossos pés para ir ao encontro
dos necessitados como Jesus fazia. Jesus já não pode repetir Suas bem-aventuranças
nem proclamar o Ano da graça nem pronunciar Suas palavras de vida eterna, mas
podemos lhe emprestar nossos lábios para continuar a anunciar a Boa Noticia aos
pobres/necessitados e a salvação a todas as pessoas. Jesus já não pode
acariciar as crianças, curar os enfermos, perdoar aos pecadores, mas podemos
emprestar-lhe nosso coração para continuar a estar próximos de todos os que
sofrem e a mostrar e anunciar-lhes a misericórdia de Deus.
5.
A Igreja nunca é deixada sozinha para realizar sua tarefa neste mundo.
Cristo trabalha com a Igreja, dentro dela e através dela. O
Senhor da Igreja continua estando na Igreja e continua sendo o Senhor de poder.
Por isso, o cristão nunca é um lutador solitário. Cristo sempre trabalha com
ele, nele e através dele. O Senhor da Igreja que é Cristo, continua estando na
Igreja e continua com o seu poder. Ele pode, de fato, fazer-se presente a cada
homem, em cada ponto da Terra e da história. Ele é contemporâneo de todos os
homens e de todas as gerações.
A ascensão do Senhor supõe a saída dos seguidores que vão
cumprir a sua missão; tarefa que vai levá-los a confrontar novas realidades
históricas, a provar a sua fé ante a resistência.
A festa da Ascensão nos dá a oportunidade de reacender cada
dia com nova luz a maior das certezas de nossa vida: Jesus está vivo e está
conosco todos os dias com seu poder (Mt 28,20). Todo aquele que tem essa
esperança não se deixa ficar olhando para o céu, como fizeram os apóstolos
naquele dia, mas ao contrário, traduz esta esperança em empenho e testemunho.
A celebração da Ascensão do Senhor urge-nos a passar da
comodidade (comodismo) dos bons sentimentos à realidade dos fatos, mesmo
chegando a complicar nossa vida por amor de Cristo e dos irmãos mais
necessitados. Somente assim cumpriremos como discípulos de Jesus a tarefa de
tornar real em nosso mundo Cristo, nossa esperança e salvação.
P. Vitus Gustama,svd
Nenhum comentário:
Postar um comentário