Domingo,24/05/2015
PENTECOSTES
PAPEL DO ESPÍRITO SANTO E SEUS FRUTOS NA VIDA DO CRISTÃO
Textos de Leitura: At 2,1-11; 1Cor 12,3-7. 12-13; Jo
20,19-23
Hoje celebramos o Pentecostes: a
festa do Espírito Santo. Ele fundamenta a missão de Jesus e fundamenta a missão
da Igreja. Só no livro de Atos dos Apóstolos, de onde tiramos o relato de
Pentecostes, o Espírito Santo é mencionado 45 vezes. Em conseqüência disto, com
razão, a dupla obra de Lucas (o Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos) é
designada como “o Evangelho do Espírito Santo”. O Espírito Santo é a plenitude
de tudo quanto Deus tem que nos dar. Na liturgia há uma exuberância de imagens
e comparações para exprimir o que o Espírito Santo é e faz. Ele santifica,
fortifica e consola. Ele aquece quando estamos frios; ele nos ajuda e nos cura.
Ele torna flexível o que é rígido, purifica, ilumina na escuridão. Ele é como
uma língua, como descreve os Atos e como uma pomba na descrição dos Evangelhos.
Ele é sopro, o dedo de Deus com que foi criado o universo. Renova continuamente
a face da terra.
Como nós sabemos que o Espírito
Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. É simples esta frase, mas rico
é o seu conteúdo. Ela significa que Deus é uma “família”. Deus não é um Deus
solitário. Deus é uma comunidade; uma convivência. Há em Deus uma comunicação
perfeita. Há em Deus uma convivência que é completa e desconhece qualquer
sombra. É conhecimento do outro numa
unidade indivisa. O Espírito Santo é o vínculo de união perfeita entre Pai e
Filho. O Espírito Santo é aquele que supera a relação Eu-Tu e introduz o Nós.
Por isso, ele é por excelência a união entre Pessoas divinas.
No evangelho de São João (cf. Jo
14,26; 15,26-27; 16,13-15; 14,16-18) o Espírito Santo é chamado de Paráclito,
termo de origem grega do mundo jurídico que é traduzido por advogado, auxiliar,
defensor. Em que sentido? Em situação de sofrimento e dor, o Espírito santo
desempenha seu papel como consolador. Nas decisões importantes em que ele é
invocado o Espírito Santo se faz conselheiro. Ele nos interpela, acusa e
questiona na nossa mediocridade, apatia e no nosso desânimo (cf. Jo 16,8). Como
o verdadeiro advogado o Espírito Santo nos conduz para a plena verdade (Jo
16,13-15) que é o próprio Jesus Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo
14,6). O Espírito Santo nos conduz a Jesus pela dupla via: pela via do
conhecimento e do amor e nos leva ao seguimento de Jesus até o fim, ao anúncio
do Reino, à opção pelos pobres. Aqui consiste a trilogia fundamental: conhecer
intimamente, amar profundamente e seguir a Jesus fielmente. Quem nos
possibilita tudo isso é o Espírito Santo.
O mesmo evangelho de João nos
afirma que pelo batismo recebemos o Espírito Santo que nos habita o coração
(cf. Jo 3,5-8.34). E o Espírito Santo prometido por Jesus tem uma função de
ensinar, recordar, comunicar e conduzir à verdade de Jesus diante do risco de a
Igreja perder o rumo em relação à memória e a compreensão de Jesus (cf. Jo
15,26; 16,14s).
Na história, o Espírito Santo se
mostra como uma força vulcânica que ninguém pode segurar, como um vendaval (vento
tempestuoso) que toma as pessoas e as leva a fazer obras grandiosas. Cabe ainda
ressaltar mais algumas características do Espírito Santo.
Ele é a força do novo e da
renovação de todas as coisas: cria ordem na criação, faz surgir o novo Adão no
seio de Maria, impulsiona Jesus para a evangelização, ressuscita o crucificado
dos mortos, antecipa a humanidade nova na Igreja e nos traz, no final, o novo
céu e a nova terra. Que seria da sociedade e das Igrejas se não surgissem os
inovadores, as pessoas criativas, que têm idéias novas, que descobrem novos
caminhos para a educação, a política, a religião etc.? O Espírito Santo
certamente está ligado ao novo e ao alternativo.
Ele é o atualizador da memória de
Jesus. Ele atualiza a mensagem de Jesus. Ele nunca deixa que as palavras de
Jesus permaneçam mortas, mas que sempre sejam relidas, ganhem novas
significações e implementem novas práticas. Ele continua a obra de Jesus nas
comunidades.
Ele é o princípio libertador das
opressões de nossa situação de pecado, chamada pela Bíblia de carne. Carne
expressa o projeto da pessoa voltada sobre si mesma, esquecida dos outros e de
Deus. Ele sempre é gerador de liberdade (1Cor 3,17), de entrega aos demais e de
amor.
Ele produz unidade, e ao mesmo
tempo, promove diferentes maneiras de servir, como descreve a Carta de São
Paulo aos coríntios (1Cor 12,3-7.12-13). Ele é a força criadora de diferenças e
de comunhão entre as diferenças. É ele que suscita entre as pessoas os mais
diversos dons e nas comunidades os mais diferentes serviços e ministérios, como
se ensina nas cartas aos Romanos (Rm 12) e aos Coríntios (12). Mas esta
diversidade não decai em desigualdades e discriminações porque bebemos da mesma
fonte que é o Espírito Santo (1Cor 12,13). Os dons ou os carismas não são dados
para a autopromoção, mas para o bem da comunidade (1Cor 12,7). A base da
palavra “carisma” é “charis” (grego) que significa “graça”. Por isso, carisma é
resultado de uma ação da graça (charis). O carisma articula o dom
pessoal com o bem da comunidade. o
carisma existe em vista da construção social ou do bem comum. Ou na linguagem de São Paul podemos dizer por
carisma, uma manifestação gratuita do Espírito Santo que atua para o bem comum
do povo de Deus. o carisma não é para o gozo individual, mas a serviço da
comunidade no sentido da comunidade eclesial, o Corpo de Cristo.
No Pentecostes o sinal importante
do Espírito Santo não foi uma confusão de línguas que ninguém entende, mas foi
a capacidade de falar de tal modo que todo mundo se sentiu à vontade com a
mensagem. A linguagem que todos entendem é o amor. O Espírito Santo interfere
para melhorar e não para atrapalhar a comunicação da Igreja de Jesus Cristo. A
comunidade fundada em Pentecostes (no Espírito Santo) é um lugar de diálogo, de
encontro, de comunicação, de unidade (não necessariamente uniformidade), de
acolhimento. O erro não está em sermos diferentes. O erro está em sermos
divididos. A comunidade nascida em Pentecostes não é o lugar da lei que mata,
mas é o lugar do Espírito Santo, isto é, o lugar da abertura e da vida, do
reconhecimento e do despertar, o lugar de uma libertação fundada no amor. O
amor é o caminho para Deus, o único carisma realmente imprescindível na vida
cristã, o carisma que jamais cessará.
No começo da Bíblia, na construção
da torre de Babel todo mundo que falava a mesma língua começou a se
desentender, um não compreendia mais o outro porque estavam fazendo uma obra do
orgulho, um monumento para celebrar a própria importância dos construtores e
não para servir Deus (Gên 11,1-9).
Quando, na Igreja, cada um fica
mais preocupado com o próprio prestígio ou com o prestígio de seu grupo do que
com o serviço para o bem de todos (da comunidade), acontece de novo o que está
representado na torre de Babel: a comunidade não se entende, fica desunida.
Comunidade desunida não constrói como Jesus deseja. A obra fica paralisada no
meio. Se cada cristão esquecer sua missão de serviço a Deus e começar a cuidar
do seu próprio prestígio e poder, ele também terá dificuldades em se fazer
entender.
O Espírito Santo foi derramado sobre
todos no batismo. Ele habita os corações das pessoas (1Cor 3,16), dando-lhes
entusiasmo, coragem e determinação. Ele consola os aflitos e mantém viva a
esperança. Ele nos consola, exorta e ensina como as mães fazem junto a seus
filhinhos (Jo 14,26;16,13) Um grande teólogo cristão, Mário (+ 334) dizia: “ O
Espírito Santo é a nossa Mãe porque o
Paráclito, o Consolador está pronto a
nos consolar como uma mãe consola o seu filho e porque os fiéis são renascidos
dele e são assim os filhos desta Mãe misteriosa que é o Espírito Santo”. Ele
não nos deixa órfãos (Jo 14,18). Ele nos educa na oração e na forma de pedir as
coisas verdadeiras: “O Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza; porque não
sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo
intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26).
Na liturgia a presença do Espírito
Santo é também destacada. Começamos a
celebração em nome da Trindade. As orações são dirigidas ao Pai pelo Filho no
Espírito Santo. A presença do Espírito Santo na liturgia é destacada no momento
de duas epicleses (as duas invocações do Espírito Santo). A primeira epiclese
acontece na consagração em que o pão e o vinho se tornam sacramento do Corpo e
do Sangue de Jesus pela invocação do Espírito Santo. Ao Espírito Santo se
atribui a consagração: “Na verdade, ó Pai, Vós sois santo e fonte de toda
santidade, santificai, pois, estas oferendas, derramando sobre elas o Vosso
Espírito, a fim de que se tornem para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo,
Vosso Filho e Senhor nosso” (cf. Oração eucarística II). A segunda epiclese
(a 2ª invocação do Espírito Santo) acontece depois da consagração em que se
suplica ao Pai para que todos os que vão participar do Corpo e do Sangue de
Cristo sejam reunidos num só corpo pelo Espírito Santo para formar uma
verdadeira comunhão de irmãos. A Eucaristia deve construir, como resultado, uma
verdadeira comunidade pela força do Espírito Santo. Comungar não é mais uma
coisa privada e sim um momento para criar e fortalecer a comunidade. As duas
epicleses têm a mesma importância.
Outros
frutos do Espírito Santo são o amor, a bondade, moderação e autocontrole, cortesia,
mansidão e longanimidade, jovialidade e paz (veja Gl 5,22-24).
Segundo Gálatas, o amor que
é o fruto do ES se expressa através de cordialidade, simpatia, coração bom.
Trata-se de uma atitude típica da interioridade; é a disposição interior para o
pensar bem, para o falar bem, para o agir bem. O amor traduzido com
cordialidade, simpatia(simpatia vem do grego sumpáscho que significa
igualar-se ao outro, ter uma atitude de profunda sintonia com o outro), coração
aberto é a capacidade imediata de entender os sofrimentos e as alegrias de quem
está perto de nós; é um coração espaçoso, raiz de toda a moral do NT. O amor é
a virtude pela qual resplandecem até mesmo as coisas mais pequenas, e os gestos
mais simples se tornam belos e construtivos. Tudo que se faz com amor, por
pequeno que seja, se torna uma obra prima. E nada vale aquilo que se faz sem
amor, por maior que ele seja.
A bondade é fruto do ES. A
bondade é um reflexo da atitude divina. Ela é a prerrogativa daquele que se
compraz em fazer por primeiro o bem, em suscitar sempre e somente o bem ao seu
redor. Ela é uma qualidade criativa(tudo que Deus criou era bom. cf. Gn 1).
Nossa bondade é nada mais que uma participação, no ES, da característica
divina, e por isso, é bela, criativa, fascinante, capaz de suscitar uma
sociedade nova. Nenhum coração resiste diante da bondade. Se a bondade é fruto
do ES, então, ela é um dom a ser invocado, a ser implorado, dispondo-nos a
acolhê-lo com humildade e reconhecimento.
Outro fruto do ES é a moderação.
A palavra que se usa em grego é epieíkeia (ocorre 7 vezes no NT) que
significa respeito, afabilidade, acessibilidade, moderação, flexibilidade e
equilíbrio ao aplicar as leis, as regras; é capacidade de saber prever também
as oportunas exceções às regras. Trata-se de uma atitude fundamental na vida
social. O contrário da moderação é a arrogância, a petulância, a rudez, a
presunção, a falta de educação etc.
O domínio de si ou autocontrole, que é outro fruto do
ES, está muito ligado à moderação. É uma atitude que exige de si o respeito
pelo outro, mantendo sob controle os próprios sentimentos ou instintos de poder
e de prevaricação, de ser oportunista diante da fragilidade do outro. O
autocontrole evita todo senso de superioridade e toda violência física, verbal e moral nos relacionamentos; evita a
exploração da dignidade alheia; evita a busca da própria vantagem, do próprio
prazer em prejuízo da dignidade ou do interesse de alguém. É uma virtude social
fundamental.
A cortesia é outro fruto do ES.
Ela é a atitude de Deus em relação ao homem, o modo com o qual o Senhor se
comporta conosco, segundo o que Jesus diz: “Ele é benévolo (chrestós)
para os ingratos e para os maus” (cf. Lc 6,35). A cortesia é a arte de acolher,
de ir ao encontro do outro fazendo-o sentir que é bem-vindo, esperado, amado.
Quando uma pessoa se sente acolhida, estimada e compreendida, ela se solta,
fala, dá corda ao discurso.
Outro fruto do ES é a mansidão.
Ela é uma atitude que facilmente pode ser mal interpretada, pois é confundida
com a fraqueza ou com a ingenuidade. Mas, na verdade, ela é a atitude típica de
Jesus que se autodefine manso (cf. Mt 11,29). E ela é uma das bem-aventuranças
por ele proclamada (cf. Mt 5,5). Mansidão é a atitude que acalma a ira ou
cólera. A mansidão é a atitude de quem elimina ou modera a própria cólera e a
dos outros; é responder à ira com a ponderação.
A longanimidade é outro fruto do ES. É
uma virtude que está ligada estreitamente à cortesia e à mansidão. Ela permite
sustentar no tempo a esperança (Cf. Lc 13,6-9; 2Cor 2,1-4). Ela é a capacidade
de saber investir, sem pretender a obtenção de resultados imediatos ( o
contrário da precipitação). Ela é a atitude que permite superar frustrações,
que permite superar a irritação e o desencorajamento diante da aparente
esterilidade da ação apostólica, educativa, formativa. Ela nos permite semear,
eventualmente com sofrimento, olhando para a colheita que nos será dada pelas
mãos de Deus. Ela nos convida a ter coragem e a resistir, na certeza de que da
resistência virá a alegria.
Outro fruto do ES é a
alegria/jovialidade (cf. Fl 4,4-7). O termo grego “chará” que se traduz por
“alegria”, ocorre 59 vezes no NT, sem contar os sinônimos e os verbos a ele
ligados. É muito mais fácil experimentar a alegria do que defini-la. Ela é a
atitude que torna tudo mais fácil. “Deus ama a quem doa com alegria” (2Cor
9,7), pois quem doa com alegria, doa bem. Ela é a capacidade que torna outros
felizes e contentes. Ela é um sinal claríssimo da presença do ES. Se quisermos
entender onde o ES está agindo, precisamos verificar a presença ou a ausência
da alegria. Onde há a alegria, está aí o ES. O objetivo da obra de Jesus é o
tornar-nos plenos de alegria: “Eu vos disse isso para que a minha alegria
esteja em vós e a vossa alegria seja plena” (cf. Jo 16,22-24). Por isso, ela é
a característica típica do Reino de Deus.
O oposto da alegria é a tristeza,
aquele sentimento pelo qual tudo parece mais pesado. E uma variante da tristeza
é a depressão ou mau humor, a melancolia, o descontentamento. Como resistir à
atitude da tristeza? Como superar a depressão? É invocar o ES, pois a alegria é
o dom do ES. É preciso invocar o ES, na certeza de que a alegria existe, de que
ela está no fundo de nós mesmos, porque ela é a presença de Jesus ressuscitado
ainda que esteja escondida. A alegria vem e virá, e tal certeza, cultivada no
coração, ajuda a superar depressões, maus humores, escuridão etc..
Outro fruto conjuntural e central
do ES é a paz (shalom), que representa também uma espécie de síntese de
todo bem na Bíblia. Biblicamente a paz é entendida como todo e qualquer bem,
humano e divino. Por isso, São Paulo até diz: “E a paz de Deus, que ultrapassa
toda a compreensão, guardará vossos corações e vossos pensamentos em Jesus
Cristo (Fl 4,7). A paz podemos definir como a atitude que nos defende da ânsia,
que reina sobre a ânsia, que a domina. Ela é, obviamente, dom de Deus, do
Espírito; é a riqueza que o Espírito derrama sobre os que a acolhem. A paz é a
sensação de sentir-se em casa, de ter familiaridade com o ambiente em que
vivemos. E sentir-se em casa com Deus, em Deus; o repouso em Deus é a paz que
bloqueia a inquietude do coração. Como dizia Sto. Agostinho: “Nosso coração
está inquieto enquanto não repousa em ti”. A paz é sentir-se em casa com os
outros, quando os relacionamentos são construtivos. A paz leva a pessoa a
superar os medos e as desconfianças recíprocas.
Os Atos dos Apóstolos relatam um
curioso episódio: Chegando a Éfeso, Paulo encontrou alguns discípulos e lhes
perguntou: “‘Recebestes o Espírito Santo, quando abraçastes a fé?’
responderam-lhe: ‘Não, nem sequer ouvimos dizer que há um Espírito Santo’”(At
19,1).
Se dirigíssemos hoje a mesma
pergunta a muitos cristãos, receberíamos talvez uma resposta desse mesmo tipo:
sabem, sim, que existe um Espírito Santo, mas é tudo o que sabem a respeito d’Ele;
de resto, ignoram quem é, na realidade, o Espírito Santo e o que representa
para a vida deles.
Portanto, mais do que nunca,
reunamo-nos hoje em torno da Igreja para invocar, em uníssono, sobre nós, sobre
nossa família e sobre o mundo inteiro, o Espírito Santo que é Espírito de
reconciliação, de unidade, de renovação, de harmonia, de amor, de alegria, de
mansidão, de cortesia, de longanimidade, de moderação, de autocontrole e de
paz. E que estejamos abertos permanente diante do Espírito Santo que quer nos
renovar e transformar em criaturas novas e renovadas de Deus.
P. Vitus Gustama,svd
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