quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Domingo,21/02/2016



TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS


II DOMINGO DA QUARESMA ANO “C”


I Leitura: Gn 15,5-12.17-18


Naqueles dias, 5o Senhor conduziu Abrão para fora e disse-lhe: “Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!” E acrescentou: “Assim será a tua descendência”. 6Abrão teve fé no Senhor, que considerou isso como justiça. 7E lhe disse: “Eu sou o Senhor que te fez sair de Ur dos Caldeus, para te dar em possessão esta terra”. 8Abrão lhe perguntou: “Senhor Deus, como poderei saber que vou possuí-la?” 9E o Senhor lhe disse: “Traze-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um carneiro de três anos, além de uma rola e de uma pombinha”.10Abrão trouxe tudo e dividiu os animais pelo meio, mas não as aves, colocando as respectivas partes uma frente à outra. 11Aves de rapina se precipitaram sobre os cadáveres, mas Abrão as enxotou. 12Quando o sol já ia se pondo, caiu um sono profundo sobre Abrão e ele foi tomado de grande e misterioso terror. 17Quando o sol se pôs e escureceu, apareceu um braseiro fumegante e uma tocha de fogo, que passaram por entre os animais divididos. 18Naquele dia, o Senhor fez aliança com Abrão, dizendo: “Aos teus descendentes darei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio, o Eufrates”.


II Leitura: Fl 3, 17-21. 4,1


17 Sede meus imitadores, irmãos, e observai os que vivem de acordo com o exemplo que nós damos. 18 Já vos disse muitas vezes, e agora o repito, chorando: há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. 19 O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas. 20 Nós, porém, somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo. 21 Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas. 4,1 Assim, meus irmãos, a quem quero bem e dos quais sinto saudade, minha alegria, minha coroa, meus amigos, continuai firmes no Senhor.


Evangelho: Lc 9,28-36


Naquele tempo, 28b Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. 29 Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. 30 Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. 31 Eles apareceram revestidos de glória e falavam de seu êxodo que se consumaria em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam com muito sono. Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. 33E, quando estes dois homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo. 34Ele estava ainda falando, quando apareceu uma nuvem que os cobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo ao entrarem dentro da nuvem.  35Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!” 36Enquanto a voz ressoava, Jesus encontrou-se sozinho. Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.
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I. Motivo Da Transfiguração


Por  que motivo os primeiros cristãos transmitiam o episódio da transfiguração?


Para entender a mensagem central do texto do evangelho de hoje  (Lc 9,28-36) é bom ler também Lc 24,1-12.


Em Lc 24 o evangelista nos relata que umas mulheres descobrem que o túmulo de Jesus está vazio. De repente dois homens com vestidos resplandecentes se apresentam a elas. Elas ficam com medo. Mas os dois homens lhes dizem que Jesus vive. Há elementos demasiados comuns em ambos relatos para nos dizer que entre os dois relatos existe uma relação intencionada por parte do autor do Evangelho de Lucas.


Esta relação nos ajuda a entendermos o sentido do texto do evangelho de hoje. Neste texto não se trata da morte de Jesus e sim de sua vida gloriosa. A transfiguração é uma antecipação da vida gloriosa, da ressurreição para confirmar a fé dos discípulos em Jesus.


É curioso e significativo o termo empregado por Lucas para designar a vida gloriosa: Êxodo, saída: “Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. Eles apareceram revestidos de glória e falavam de seu êxodo que se consumaria em Jerusalém” (Bíblia de Jerusalém: nova edição, revista e ampliada, 2006). O êxodo-tipo, o inicial, o nuclear foi do Egito para Israel. Mas este início e este núcleo foi ampliado e desenvolvido no êxodo de Jesus, isto é, na sua saída da morte para a vida; da morte real para a vida real. Os êxodos anteriores, representados por Moisés e Elias tem em Jesus sua culminação, seu ponto alto. Por isso, a subida, o êxodo para Jerusalém, para Jesus é o caminho necessário para chegar à glória. E os discípulos só superarão o escândalo da “necessidade” da Paixão depois da Páscoa e de Pentecostes: depois de verem Jesus na sua glória de ressuscitado e de serem fortalecidos pelo Espírito Santo. A transfiguração respondia a esse problema e fazia ver que, conforme o AT, a cruz era o caminho do Messias para a glória.


Através da Transfiguração, Jesus apresenta aos discípulos as duas faces do mistério da salvação que se realiza nele: a face tenebroso (o sofrimento, a humilhação e a morte) que dá medo, especialmente nos discípulos. E a face glorioso (a ressurreição e a glória) que dá alegria e ânimo para continuar a levar adiante os ensinamentos do Senhor. Por isso, para cada um dos três anúncios da Paixão é acrescentado o anúncio da ressurreição “ao terceiro dia” (Lc 9,22; 18,33b). Os cristãos encontravam nesse acontecimento uma confirmação da sua fé em Jesus, Filho de Deus, pois Deus mesmo dizia: “Este é o meu Filho!”. Além disso, o episódio da transfiguração confirmava a autoridade de Jesus Cristo: Ele era lei e norma para todos os cristãos e por isso, é preciso escutá-Lo: “Escutai- O!”.


Nós cristãos temos uma consciência plena de que nossa vida é um êxodo para a Casa do Pai (cf. Jo 14,1-6). O cristão sempre deve ter em perspectiva sua autentica morada, o céu que é também a morada do seu Salvador. Isto não implica uma despreocupação pela tarefas aqui neste mundo, porém no exercício de suas tarefas terrenas o cristão jamais poderá perder de vista que é um peregrino para a “Casa Comum” (o céu). A salvação que começa aqui chegará à sua plena realização com a segunda vinda do Senhor: “Nós somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,20-21).


II. Alguns Detalhes Deste Episódio E Sua Mensagem Para Nós


1. Num Clima De Oração


Os evangelhos sinóticos relatam o mesmo episódio, porém, o evangelho de Lucas é o único que revela o motivo da ida de Jesus à montanha: Jesus subiu  à montanha para rezar (v.28). Em toda a sua vida Jesus consagra sempre seu tempo para orar. Como já sabemos que em Lucas a oração marca os momentos mais decisivos e importantes da vida de Jesus (veja a Festa do Batismo do Senhor: Lc 3,21s); na escolha dos Doze (6,12s); no ensinamento do Pai-Nosso (11,1); na confissão de Pedro (9,18); na transfiguração (9,28).


A oração é a resposta imediata que sai do coração humano quando a pessoa se coloca diante do problema da verdade do ser. Toda a nossa educação para a oração parte de um princípio muito simples: quando o homem vive a fundo a autenticidade do seu ser, brota nele com toda a naturalidade a exigência de se exprimir por meio de palavras, até por palavras mudas. Seja como for, a exigência de dialogar com Aquele que o criou. Está em nós o desejo de buscarmos favorecer as condições que nos coloquem em estado de autenticidade, de buscarmos dentro de nós a voz misteriosa de Deus para escutá-la e respondermos a ela, reavivarmos em nós o senso de gratidão pelo dom da vida, da criação, da redenção e de tudo quanto há de belo e de bom neste mundo. Por isso, podemos dizer que quem sabe viver bem, também sabe rezar bem; e quem sabe rezar bem também sabe viver bem. Se existe crise de oração porque o que tem por trás é a crise de saber viver bem.  Aprender a rezar é aprender a viver como filhos de Deus na verdade plena da própria criatura. A oração diz à criatura humana a verdade mais complexa e mais simples que existe: não é ela o Absoluto mas o Criador.


2. Jesus Se Transfigura Durante A Oração


Jesus muda de figura diante dos três discípulos com uma aparência diferente da habitual. Ao ser retirado por alguns momentos o véu que oculta o esplendo da glória de Jesus, os discípulos podem ver com seus olhos o que constitui a realidade profunda da sua pessoa. Certamente,  é no contato pessoal com Deus, num clima de oração que acontece a transfiguração de Jesus e que faz brilhar em seu rosto e condição humana a glória de sua divindade e sua categoria de Filho amado do Pai. A manifestação da glória do Pai no Filho para o fim dos tempos se antecipa na transfiguração de Jesus.  A transfiguração revela aos discípulos o que será o estado definitivo de Jesus e dos seus seguidores depois da ressurreição. E ao descer da montanha, com certeza uma nova energia inunda toda a sua pessoa.


Todo encontro autêntico com Deus sempre deixa marcas visíveis no rosto do homem. Em outras palavras, quem consagra tempo para fazer o contato com Deus se transfigura. Mas esta transfiguração não é para si mesmo mas quem tem a experiência de transfiguração, transfigura os outros, os rostos desfigurados. Na linguagem do evangelho deste domingo é descer da montanha ao encontro dos outros. Para que o nosso rosto possa brilhar diante dos outros, temos que contemplar o rosto glorioso de Jesus. Para podermos acolher os outros, temos que saber, primeiro, acolher Jesus Cristo.


3. Uma Vitória Antecipada


Pedro e seus companheiros “viram a glória de Jesus e os dois homens(Moisés e Elias) que estavam com ele”(v.32). Através desta frase podemos ver uma tentativa do evangelista Lucas de nos abrir o segredo profundo de Jesus: seu mistério divino. “Glória”(dóxa) é a íntima essência de Deus. Mais do que um simples relato, o evangelho deste domingo é tentativa de anunciar a glória divina que na ressurreição se manifestou em Jesus, e que desde sempre estava nele, visível só para aqueles que tinham fé e aos quais o Espírito abriu os olhos.  Se o anúncio da paixão e morte de Jesus incomodou os discípulos, essa transfiguração os acalma. A glória, que em sentido próprio pertence só a Deus, ao brilhar na carne de Jesus, revela quem ele é no seu ser profundo: “O resplendor da glória de Deus, a expressão do seu ser”(Hb 1,3),isto é, Deus mesmo.


Ao contemplar esse episódio, na verdade estamos contemplando o nosso destino futuro: no Reino do Pai os justos brilharão também como o sol(Mt 13,43;Dn 12,3). Na carne transfigurada de Jesus de Nazaré estamos contemplando a transfiguração da nossa humanidade. Em Jesus Cristo, a fragilidade de nossa carne receberá a investidura da glória de Deus. São Paulo usa a mesma palavra(transfigurar/ metamorfosear) para descrever a transfiguração realizada em nós pela ação do Espírito do Senhor(cf. 2Cor 3,18), e que é o penhor da nossa ressurreição futura ou da nossa futura vitória. Como se Jesus dissesse aos discípulos e a todos nós: “Não tenha medo das dificuldades, dos desafios e dos sofrimentos, por mais duros que eles sejam. Não desistam ! Olhem para trás de tudo isto, e vejam, a vitória está  aguardando vocês”. Podemos dizer: quem tem certeza de que o sol vai aparecer, tem coragem de atravessar a noite escura. A noite é apenas uma passagem.


Mas a glória jamais se realizará sem o abandono à vontade do Pai, como fez Jesus. Esta glória não se confunde com a vangloria do mundo, por isso ela opera pela humildade e mediante a dor de um pelos outros. E no escutar a Palavra de Deus, que temos parte na sua glória escondida.


4. Escutai O Que Ele Diz!


Na cena da transfiguração, a voz celeste acrescenta às palavras da teofania do batismo(Lc 3,16s) a ordem dirigida aos discípulos: “Escutai-O!”  Esta voz nos diz que Jesus é a única voz que devemos escutar e obedecer como absoluto. Para vivermos como comunidade dos eleitos de Deus é necessário ouvirmos e acolhermos a palavra de Jesus e vivermos dela.


A escuta é uma palavra-chave que caracteriza toda a tradição do povo hebraico: Escutai ó Israel. A palavra “escutar Deus” no sentido hebraico, significa não só no sentido de prestar-lhe ouvidos atentos, mas abrir-lhe o coração, pôr em prática sua palavra, obedecer-lhe.  Por isso, o maior drama da humanidade e de qualquer um de nós é não escutar Deus e sua Palavra, pois na escuta da Palavra de Quem é o maior do que nós, a Palavra Daquele que criou o nosso coração, nós descobrimos o mistério de nós mesmos. Quem escuta Deus e sua Palavra sabe para onde vai, porque vive e de onde veio. O único espaço, onde se abre a glória de Deus é a Palavra de Jesus Cristo. Esta Palavra é suficiente para a Igreja, para todos nós. Ouvindo-a a Igreja viverá por longos tempos futuros, pois  a escuta de Deus e de Sua Palavra é a rocha da nossa certeza: “Tu és o meu Pai, o meu Deus e o meu rochedo salvador”(Sl 89,27).  E esta Palavra, ainda em séculos vindouros, terá a força de suscitar mártires, de converter os corações e de garantir a vida do Reino de Deus.


É mister escutar a este Jesus, a Palavra do Pai, mais do que a Moisés e Elias. Tudo o que os profetas e a lei tinham anunciado torna-se verdade na pessoa e na vida de Jesus.


A Boa Notícia consiste no fato de que Deus tem uma palavra para mim, e eu posso escutar esta Palavra no silêncio e na paz. Eu me alimento desta escuta, eu cresço na fé e me realizo como pessoa. Eu cresço junto a tantos outros que, como eu, formam a Igreja que escuta e caminha. A morte não prevalecerá a partir do momento em que a Igreja, todos nós, estiver fundada sobre a rocha da Palavra de Deus e da escuta.


O mesmo Deus que falou lá na montanha na nuvem, nos fala aqui, em nossa assembleia, pela sua Palavra que ouvimos/lemos e partilhamos. O mesmo Jesus que os discípulos viram lá transfigurado, está hoje aqui, presente em sua Palavra e Eucaristia e em nossa assembleia (Mt 18,20). Não vemos o seu rosto transfigurado nem sua roupa branca e brilhante, mas o sentimos, pela fé, como Alguém que, ressuscitado, nos sussurra ao pé do ouvido no íntimo do coração: Você também vai vencer ! Tenha esperança e siga-me: vá à luta ! Que o Espírito Santo nos ilumine para que assim seja.


P. Vitus Gustama,SVD

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