quinta-feira, 31 de março de 2016

04/04/2016



ANUNCIAÇÃO DO SENHOR A MARIA


I Leitura: Is 7,10-14; 8,10


Naqueles dias, 10o Senhor falou com Acaz, dizendo: 11“Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal, quer provenha da profundeza da terra, quer venha das alturas do céu”. 12Mas Acaz respondeu: “Não pedirei nem tentarei o Senhor”. 13Disse o profeta: “Ouvi então, vós, casa de Davi; será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus? 14Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel, 8,10porque Deus está conosco.


II Leitura: Hb 10,4-10


Irmãos, 4 é impossível eliminar os pecados com o sangue de touros e bodes. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. 6Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. 7Por isso eu disse: Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade”. 8Depois de dizer: “Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado” — coisas oferecidas segundo a Lei — 9ele acrescenta: “Eu vim para fazer a tua vontade”. Com isso, suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo. 10É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas.


Evangelho: Lc 1,26-38


Naquele tempo, 26o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria. 28O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” 29Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. 30O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. 31Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. 32Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. 33Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim”. 34Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” 35O anjo respondeu: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. 36Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, 37porque para Deus nada é impossível”. 38Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” E o anjo retirou-se.
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Crer No Deus Que Nos Surpreende


Creio que Maria jamais pensava que seria chamada por Deus para ser a Mãe do Salvador do mundo. Mas Deus sempre nos surpreende. Surpresa é algo que acontece fora de nossos cálculos e planos. Por isso, ela desmonta todo o nosso sistema. Surpresa nos desarma e nos deixa aceitarmos algo que nunca pensávamos em aprender.


Através da cena da anunciação do Senhor a Maria o evangelista Lucas nos mostra um Deus revolucionário e libertador. A sua manifestação, nesta cena, não acontece no Templo, lugar considerado sagrado, como aconteceu com o anúncio do nascimento de João Batista e sim num lugar desconhecido: Nazaré. Deus é que faz um lugar importante. Nazaré é um lugar jamais mencionado no AT. Trata-se de uma surpresa de Deus.


Além disso, esse Deus não se manifestou a um sacerdote no templo durante o culto, como aconteceu com Zacarias, e sim no cotidiano e a uma pessoa simples, pequena, a uma mulher: Maria. Na opção de Deus Maria se torna uma privilegiada. É mais uma surpresa de Deus.


Maria Nos surpreende


A Virgem Maria, da perspectiva do evangelista Lucas é uma mulher que aceita a proposta revolucionária de que Deus possa nascer de seu ventre virgem, de seu corpo jovem, de seu coração feminino. A mulher, naqueles tempos, não tinha acesso à Palavra escrita da Tora ou dos profetas. Na época tinha um dito: “É melhor queimar a Bíblia do que entregá-la nas mãos de uma mulher”. Agora Maria, uma mulher, tem em seu ventre materno a mesma Palavra de Deus feita carne: o Emanuel, Deus-Conosco. É a surpresa de Deus. E Maria que aceita a proposta de Deus que confia totalmente em Deus apesar dos problemas reais de ser mãe sem conhecer homem algum também nos surpreende.


A mulher, que não podia conversar com outro homem que não fosse seu marido, agora dialoga com sua consciência e toma decisão de ser a Mãe do Senhor. A mulher que vivia dependente de uma estrutura familiar rígida, agora escolhe, opta por ficar embaraçada ou grávida milagrosamente. A mulher que tinha um acesso restringido ao culto, agora dialoga diretamente, cara a cara, com Deus que está no seu coração, no seu ventre. A mulher que devia cuidar de sua imagem de moralidade, sua virgindade até o matrimônio, agora decide enfrentar a sociedade de seu tempo e o mais importante: quem decide é ela.


Coragem De Maria Nos Surpreendem


Em toda parte a covardia é desprezada e em toda parte a coragem é estimada. A coragem é a virtude dos heróis. Quem de nós não admira os heróis?  Os pais são admirados, pois são nossos heróis mais próximos, pois lutam de todas as maneiras para nos manter vivos e realizados na vida. A virtude é uma aptidão ou uma qualidade que inclina o sujeito à prática do bem. Todas as virtudes culminam no amor a Deus e ao próximo. A coragem para fazer algo fora do bem não pode ser considerada como virtude, como um fanático que se sacrifica para acabar com a vida de tantos inocentes.  A coragem é a condição de qualquer virtude.


Não podemos imaginar que Maria seja uma mulher passiva, imóvel e submissa cega. Ela é corajosa, valente e revolucionária. E sua força vem de Deus. Ela se compromete a partir de sua própria liberdade e libertação com a libertação de Deus. Ela é revolucionária com o Deus revolucionário.


Quem tem sua força em Deus, quem acredita incondicionalmente em Deus, como Maria, tem força suficiente até mais do que suficiente para encarar tudo na vida porque ele sabe que a palavra final é a Palavra de Deus e não a do homem. Quem é devoto de Maria deve ser uma pessoa valente, corajosa e revolucionária como Maria. “Para Deus e com Deus nada é impossível”.


A fé De Maria Nos Surpreende


Apesar dos pesares Maria com uma fé firme e inabalável pronuncia a famosa frase: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a Tua Palavra”. A submissão de Maria é algo muito amável, pois ela entrou no amor de Deus para salvar o mundo. Tudo que Deus diz e pede, Maria aceita amavelmente. Maria torna concreto na sua vida um dos pedidos no Pai-Nosso: “Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu”.


Diante da proposta de Deus, Maria responde prontamente. O seu “sim” ecoa forte e sem dúvida e cheio de generosidade. Ela une a liberdade com a vontade: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua Palavra”. Com essas palavras Maria abriu seu espaço interior para deixar Deus entrar. Uma vez que reconheceu o chamamento de Deus, já não fez qualquer reserva, e entrega-se a Ele totalmente. Essa entrega do coração a Deus tem um nome muito simples: FÉ. Fé quer dizer arriscar-se e jogar-se nas mãos do Senhor com confiança, pois ele nos vê desde o início de nossa vida até o seu fim. Lucas nos conserva o testemunho de Isabel acerca da fé de Maria ao dizer: “Feliz aquela que acreditou” (Lc 1,45).


Duas coisas transparecem de Maria em relação à fé: Sua vida de fé, de entrega humilde e confiante que não entende tudo, mas confia, e sua fé que cresce mediante a reflexão e a meditação. Fazem parte da fé aqueles momentos de escuridão, onde a razão se cala e a alma se entrega a Deus.


Por isso, a partir de Maria, crer significa confiar apesar da obscuridade; acolher apesar de não ver claro porque é Deus que está falando e convidando. E crer supõe uma atitude que exige uma pobreza interior e desapego das próprias seguranças, que muitas vezes são falsas.


Por isso, Maria, por sua palavra e por suas atitudes faz-se modelo para todos os que creem. Ao olhar para ela, nos sentimos mais animados, pois compreendemos que não nascemos prontos, que a vida é uma travessia. Descobrimos também que até as crises de fé são ocasiões de crescimento.


Maria Nos Ensina Que Deus Está No Nosso Coração


Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! ... Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora... Estavas comigo, mas eu não estava contigo”, assim Santo Agostinho escreveu sobre Deus que ele descobriu muito tarde (Confissões, X,27,38).


A partir da cena da anunciação não há que buscar Deus no ar, nas ideias, nos sonhos. Maria o encontra no seu ventre, no seu coração. O Deus que está no coração de Maria transforma seu corpo em instrumento para fazer Deus visível aos homens. Sua maternidade aproxima Deus ao ser humano para compartilhar a experiência de salvação.


Para cada um de nós Maria quer mostrar que é possível ser instrumento para fazer visível Deus aos outros através de cada um de nós. Para cada cristão trata-se de uma missão a ser cumprida neste mundo: fazer Deus visível através de nossa vida e de nosso modo de viver. “Vós sois a carta de Cristo”, relembra-nos São Paulo (cf. 2Cor 3,3).


P. Vitus Gustama, SVD

Domingo, 03/04/2016



CRER EM JESUS RESSUSCITADO É DIZER-LHE: MEU SENHOR E MEU DEUS


II DOMINGO DA PÁSCOA


I Leitura: At 5, 12-16


12Muitos sinais e maravilhas eram realizados entre o povo pelas mãos dos apóstolos. Todos os fiéis se reuniam, com muita união, no Pórtico de Salomão. 13Nenhum dos outros ousava juntar-se a eles, mas o povo estimava-os muito. 14Crescia sempre mais o número dos que aderiam ao Senhor pela fé; era uma multidão de homens e mulheres. 15Chegavam a transportar para as praças os doentes em camas e macas, a fim de que, quando Pedro passasse, pelo menos a sua sombra tocasse alguns deles. 16A multidão vinha até das cidades vizinhas de Jerusalém, trazendo doentes e pessoas atormentadas por maus espíritos. E todos eram curados.


II Leitura: Ap 1,9-11a.12-13.17-19


9 Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, e também no reino e na perseverança em Jesus, fui levado à ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e do testemunho que eu dava de Jesus. 10No dia do Senhor, fui arrebatado pelo Espírito e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta, 11aa qual dizia: “O que vais ver, escreve-o num livro”. 12Então voltei-me para ver quem estava falando; e ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro. 13No meio dos candelabros havia alguém semelhante a um “filho de homem”, vestido com uma túnica comprida e com uma faixa de ouro em volta do peito. 17Ao vê-lo, caí como morto a seus pés, mas ele colocou sobre mim sua mão direita e disse: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, 18aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos. 19Escreve pois o que viste, aquilo que está acontecendo e que vai acontecer depois”.


Evangelho: Jo 20,19-31


19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.  21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. 24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. 26Oiito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.  27Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mais fiel”.  28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” 30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
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1.  Jo 20,19-23: Aparição de Jesus Sem Tomé


1.1.    O Medo Dos Discípulos e a Paz Oferecida Pelo Ressuscitado


O relato diz que as portas estão fechadas por medo dos judeus. Um filósofo diz que o homem é por excelência “o ser que tem medo” (Marc Oraison). No mesmo sentido, Sarte escreveu: “Todos os homens têm medo. Todos. Aquele que não tem medo não é normal, isso nada tem a ver com a coragem”. “Sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido” diz G. Delpierre (cf. L’être et la peur). “A necessidade de segurança é, portanto, fundamental; está na base da afetividade e da moral humanas. A insegurança é símbolo de morte e a segurança símbolo da vida. Mas se ultrapassa uma dose suportável, ele se torna patológico e cria bloqueios. Pode-se morrer de medo, ou ao menos ficar paralisado por ele” (Jean Delumeau). “O medo é um inimigo mais perigoso do que todos os outros” (Simenon). O medo constitui uma das maiores ameaças à vida; impede que a vida seja desfrutada e vivida em sua tranqüilidade. O medo impede a criatividade e põe em perigo a esperança. A Bíblia conhece somente um meio pelo qual o coração humano se pode defender do medo: a fé em Deus. Só Deus é a rocha. As outras seguranças desiludem.


O motivo do medo não é novo no evangelho de João (cf. Jo 7,13; 9,22; 12,42). Os discípulos experimentaram amplamente o medo dos judeus. Seu Mestre foi executado e eles corriam risco de receber o mesmo castigo. O medo é uma emoção-choque, freqüentemente precedida de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça.  Normalmente o medo provoca efeitos como: a aceleração dos movimentos do coração ou sua diminuição; uma respiração demasiadamente rápida ou lenta; um comportamento de imobilização ou uma exteriorização violenta etc. Nessa situação, para os discípulos, ter medo era ser realista.


Certamente nessa situação Jesus apareceu no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.  A paz, shalom, é a palavra que os judeus usam até hoje como uma saudação comum. A idéia bíblica de paz, shalom, é rica. Significa muito mais do que a cessação de violência e conflito. É o estado para o qual o mundo foi criado. É a melhor descrição de como será o Reino de Deus: um “lugar” de segurança, justiça e verdade; “lugar” de confiança, inclusão e amor; “lugar” de alegria, felicidade e bem-estar. Talvez possamos traduzir shalom para o português com a expressão: “Tudo de bom para você!”


O “A paz esteja convosco” de Jesus, aqui neste texto, não é um desejo, e sim uma declaração. Ele vai além de um cumprimento por causa daquilo que Jesus proclamou na última ceia: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vos dou a paz como o mundo  ” (Jo 14,27). A própria presença de Jesus Ressuscitado oferece aos discípulos essa paz maravilhosa, pois essa é, agora, a experiência de Jesus. Seu sofrimento ficou atrás, e ele agora habita na paz de Deus. Jesus ressuscitado vem libertar os seus. Ele é fiel, pois cumpriu aquilo que ele tinha prometido: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós” (Jo 14,18). Aquele que se sente desamparado, aquele que está desorientado, aquele que se sente perdido deve escutar e refletir a verdade dessa promessa da presença de Jesus ressuscitado: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós”. Seja órfão no sentido literal da palavra, seja aqueles órfãos de sentido, de carinho, de reconhecimento, de amor etc., todos encontrarão o amparo em Jesus Cristo. Procuremos este Amparo para que não sejamos órfãos de tudo.


Não é por acaso que o evangelista João usa esta expressão “pôr-se no meio (centro) deles” (v.19). Isto quer dizer que Jesus deve ser o centro de nossa vida, deve ser o centro da vida da comunidade, pois ele é a fonte da vida, ele é o tronco dos galhos (cf. Jo 15,1-8), ele é o ponto de referência, o fator da unidade (cf. Jo 17,11.21-22). Para que uma comunidade se torne cristã, ela deve estar centrada em Jesus Cristo e somente nele.  Somente quando Jesus se torna centro de uma comunidade, será evitado todo tipo de disputa desnecessária, a não ser somente uma disputa para servir. Sem este centro ficaremos órfãos, desamparados. Além do mais a presença do outro se torna sempre uma ameaça e não mais uma presença de um irmão ou de uma irmã, quando Jesus Cristo não se torna único centro para todos.


Os discípulos são convidados a superar o medo e a abrir-se à fé; só assim tornam-se disponíveis para o dom da paz e da alegria, os dois dons que Jesus lhes tinha prometido no seu discurso de despedida (cf. Jo 14,27;16,33). A paz e a alegria são o dom do Cristo Ressuscitado, mas também condição para reconhecê-lo.


1.2.    Ser Missionário Da Ressurreição


O que se segue é a missão dos discípulos: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (v.21). Jesus é o Enviado por excelência (Jo 3,31-34; 5,30;7,17s.28;8,16.28s.42;12,44s;16,28).    A missão provém de Deus, que quer dar a vida ao mundo (Jo 10,10). O envio dos discípulos implica tudo o que visava o ministério confiado a Jesus: glorificar o Pai, fazendo conhecer seu nome e manifestando seu amor (cf. 17,6.26). Do mesmo modo como o Pai esteve presente com Jesus na sua missão, assim os discípulos não estarão nunca sozinhos no cumprimento de sua missão (cf. Mt 28,20).  


Aqui a ressurreição está vinculada à missão. Os discípulos são enviados para proclamar a verdade de que não é qualquer vida pode ressuscitar gloriosamente como a de Jesus, e sim somente uma vida que tem como características: vida de doação, de serviço, de perdão, de fidelidade plena a Deus, como foi a vida de Jesus. Somente assim, o cristão possuirá a vida eterna, uma vida ressuscitada. Ser enviado significa ser pessoa que lança as sementes da ressurreição feito de justiça, de amor, de reconciliação e de abertura incondicional a Deus. Se um cristão fizer assim, a vida nova e a ressurreição estão germinando. E ele tem que cuidar bem deste germe para que ele possa chegar à sua plenitude.


“Dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo” (v.22). O gesto de Jesus reproduz o gesto primordial da criação dos seres humanos por Deus (Gn 2,7). O Criador “insuflou no homem um sopro que faz viver” (Sb 15,11;Ez 37,9). “Soprar” quer dizer dar vida a quem não tem. Isso significa que o ser humano só existe porque é sustentado pelo sopro de Deus. Trata-se agora da nova criação: Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem(cf. Jo 3,3-8), capacitando-o para partilhar a comunhão divina. O Filho que “tem a vida em si mesmo” dispõe dela a favor dos seus(cf. 5,26.21); e seu sopro é o da vida eterna. 


Tanto para João como para Lucas (At 2), o dom do Espírito inaugura o tempo da Igreja. Mas é somente Jo que situa o dom no dia da Páscoa, evidencia o laço imediato com Jesus Ressuscitado e glorificado. Para o evangelista João, a ressurreição e a descida do Espírito Santo acontecem simultaneamente. E Jo mantém claramente a unidade dos dois tempos: Jesus é quem inaugura o tempo do Espírito. Enquanto Lucas que procura uma data simbólica (a festa judaica de Pentecostes celebrava a Aliança de Deus no Sinai) situa o evento depois de um intervalo de cinqüenta dias. O relato lucano de Pentecostes explicita de maneira grandiosa o alcance universal do dom do Espírito.




1.3. Pecado e Perdão de Deus


Jesus acrescenta: “A quem perdoardes os pecados eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”(v.23). Os discípulos representam, em Jo, todos os cristãos futuros: as palavras que Jesus lhes dirige coletivamente visam sempre aos fiéis em geral. Do ponto de vista exegético, não se pode limitar aos “Onze” e aos seus “sucessores” a mediação do perdão divino que o Ressuscitado confia à comunidade dos seus, menos ainda porque esta palavra segue-se imediatamente depois daquela sobre o dom do Espírito Santo.


Para Jo o pecado fundamental é a recusa do Logos libertador. E essa recusa se manifesta através do medo e da busca da própria glória (Jo12,42s), da mentira (Jo 8,44), do ódio (Jo 15,18-25), do assassinato do Justo (Jo 7,19;8,40 e cf. 19,11). Estes princípios frustram o projeto criador e levam o homem à sua própria condenação. O pecado é opção que frustra o desígnio divino sobre o homem, privando-o da vida. O pecado cria assim uma situação de morte. O homem que faz a opção pelo pecado condena-se com ela à morte. O pecado é a solidariedade com o mal. Essa solidariedade opõe-se à solidariedade do bem, criada por Jesus. Mas a salvação divina prevaleceu sobre as trevas e alcançou doravante todo ser humano, pela mediação dos discípulos. No contexto joanino, é o próprio Jesus que por meio dos seus discípulos, exerce o ministério do perdão (Jo 14,12.20). A formulação em forma positiva e negativa vem do estilo semítico, que exprime a totalidade por um par de opostos. “Perdoar/manter” significa aqui a totalidade do poder misericordioso transmitido pelo Ressuscitado aos discípulos. A forma passiva “serão perdoados/retidos” referente ao efeito obtido implica que Deus é o autor do perdão. Pode-se dizer que no momento em que a  comunidade perdoa, Deus mesmo perdoa.


2.  Jo 20,24-29: Aparição de Jesus Com a Presença de Tomé


A segunda unidade fala do episódio com Tomé. É exclusivo de Jo. Tomé foi retratado em Jo 11,16 e 14,5 como uma figura não facilmente persuasível. Ele é um seguidor fino ou sutil, mas é lento em captar o mistério da pessoa de Jesus, pois ele procura provas concretas e claras de fé (Jo 11,16;14,5).


O texto nos diz que “Tomé não estava com eles quando Jesus apareceu” (v.14). Ele está ausente da comunidade não só em sentido próprio, mas também no figurado. Com intransigência, ele rejeita o testemunho pascal dos outros discípulos que viram o Senhor. Recusar o testemunho da ressurreição é romper com a comunidade. Por esta recusa Tomé estraga sua própria alegria e ele se torna um isolado e decepcionado. Uma pessoa que se isola não tem como curá-la. As pessoas decepcionadas têm logo a tendência a criticar duramente nos outros aquilo que mais ardentemente desejaram para si mesmas, e que não puderam conseguir. A inveja torna a pessoa amarga. A pessoa se fecha no passado, incapaz de superá-lo. A dificuldade de Tomé é ter permanecido na Paixão quando a Ressurreição mudou tudo. Ele vive nas trevas do passado e recusa o hoje radioso. Por isso, ele se torna um isolado. Uma pessoa isolada não pode ser ajudada. Só ao sair do isolamento é que ela pode ser ajudada.


Os discípulos, que viram Jesus ressuscitado em Jo 20,19-23, fazem exatamente o mesmo relato que Maria Madalena fizera a eles: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,18.25). Mas Tomé foi inflexível ao recusar-se a acreditar na palavra deles: “Se eu não vir... e puser meu dedo... não acreditarei” (v.25b). Na verdade, outros evangelistas relatam também dúvidas dos discípulos depois da ressurreição (cf. Mt 28,17;Mc 16,11.14;Lc 24,11.41), mas somente o evangelista João dramatiza a dúvida de modo tão pessoal em um só indivíduo. A atitude de Tomé em pedir provas foi condenada por Jesus em Jo 4,48: “Se não virdes sinais e prodígios, não crereis”. O Jesus de João não rejeita a possibilidade de que sinais (milagres) e prodígios levem o povo à fé, mas rejeita sinais (milagres) que exijam o cumprimento absoluto de condições. Neste relato Tomé é apresentado como um discípulo pré-pascal, pois ele exige o aspecto miraculoso da aparição de Jesus (Jo 4,48). Como Natanael, Tomé rejeitou a fé dos outros discípulos que tinham “visto o Senhor” (v.25;1,45-46).


Como Tomé, não é fácil deixar que Cristo nos penetre com seu peculiar estilo de entender a vida; não é fácil passar por cima da atração do poder; não é fácil traduzir na prática o que dizemos crer. Não é fácil traduzir na vida aquilo que Jesus nos diz que veio “não para ser servido, mas para servir”. Não é simples plasmar na pratica as grandes lições da generosidade e do desprendimento enquanto temos tentação de agarrar tudo para nossa vida. Não é fácil buscar primeiro o Reino de Deus e sua justiça desprezando, por esse reino, a realidade imediata e circundante que, em muitas ocasiões, se apresenta esplendorosa.


Apesar de sua decepção e dúvida, no coração de Tomé ainda sobrevive o sentimento ou o desejo de ver o Senhor. Embora, para ele, voltar ao grupo signifique curvar a cabeça. Mas justamente no lugar de cura é que alguém tem coragem de mostrar as feridas. Diante de um médico é que uma pessoa tem coragem de falar das doenças.   


2.1. Jesus É o Senhor e Deus


Nesse encontro quem toma a iniciativa é Jesus. Depois de saudá-los, Jesus logo convida Tomé a colocar dedo nas suas feridas dos pregos. Nessa altura, na sua experiência pessoal com Jesus, Tomé somente é capaz de dizer: “Meu Senhor e meu Deus” (v.28). ”Senhor” e “Deus” (Yahweh Elohim) são nomes para Deus no AT (Sl 35,23). Isto quer dizer que a fé pascal de Tomé reconhece Deus em Jesus ressuscitado. Na verdade, o evangelista já reconhece a divindade de Jesus desde o prólogo do seu evangelho: “No princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus...E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,1.14). A resposta de Tomé em sua profissão de fé chama de volta as palavras de Jesus para si próprio e para Filipe: “Se me conheceis, também conhecereis meu Pai...Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,7.9).  Como Natanael, o seu firme cepticismo se transforma numa suprema profissão de fé depois que ele teve uma experiência pessoal com Jesus (v.28; 1,45-49). A profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus” é a maior profissão de fé no Evangelho de João. A resposta de Tomé é tão extremada como sua incredulidade. Ao chamá-lo “meu Senhor”, Tomé reconhece o amor de Jesus e o aceita, expressando ao mesmo tempo sua total adesão. Tomé reconhece em Jesus o acabamento do projeto divino sobre o homem e o toma como modelo para si (meu Senhor e meu Deus) e reconhece em Jesus o servo glorificado em pé da igualdade com o Pai (Deus).


Esta confissão de no fim do Evangelho de João faz um elo com o prólogo (Jo 1,1). A ironia final do Evangelho é que o discípulo que mais duvidou faz a mais alta da profissão de e diz a expressão da mais alta avaliação de Jesus, proferida em qualquer Evangelho: “Meu Senhor e meu Deus”. No prólogo o evangelista afirma que a Palavra era Deus (Jo 1,1). Agora, por uma inclusão, ele mostrou como foi difícil para os seguidores de Jesus chegarem à tal visão. Tomé tem sido lembrado como o homem que duvida por excelência; todavia, as últimas palavras de Jesus para ele, em resposta à sua profissão de , constituem um invejável elogio: “Tu acreditaste” (v.29a).


Tomé não manifesta sua na ressurreição de Jesus (Senhor: título pós-pascal), mas também na sua divindade (meu Deus). Com esta confissão Tomé nos ensina que a conseqüência última da ressurreição do Messias é o reconhecimento de sua condição divina.


O “credo” de São Tomé é tão breve como tão sincero e espontâneo: “Meu Senhor e meu Deus”. A oração tão viva como esta somente pode ser pronunciada de joelhos e com emoção. Os que creem em Jesus Cristo de todos os séculos sempre agradecem a São Tomé por este feliz e deslumbrante ato de : “Meu Senhor e meu Deus”. Os que crêem em Jesus Cristo de todos os séculos sempre agradecem a São Tomé por este feliz e deslumbrante ato de : “Meu Senhor e meu Deus”.


Inspirado na confissão do Apóstolo Tomé, são Nicolau de Flüe rezava: “Meu Senhor e meu Deus, tira de mim tudo que me afasta de Ti; meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo aquilo que me aproxima de Ti; meu Senhor e meu Deus, tira-me de mim mesmo para dar-me inteiramente a Ti”.


Tomé acreditou quando foi desafiado pelo Mestre a realizar seu projeto de investigação para acabar com a incredulidade. O louvor final para a fé, no entanto, é estendido por Jesus àqueles que tinham acreditado sem ver a presença corporal: “Felizes os que, sem terem visto, creram!” (v.29b). Esta é a única bem-aventurança explícita no Evangelho de João. Ela privilegia os que crêem sem ter visto. Por isso, esta bem-aventurança está ao alcance de todos. No evangelho de João, nenhum maior louvor pode ser dado a Jesus do que a frase “Meu Senhor e meu Deus”; e nenhum maior louvor pode ser dado aos seguidores de Jesus do que a frase “Felizes os que, sem terem visto, creram!”. Através desta fé, a profecia de Oséias 2,25 é cumprida: “Um povo que antigamente não era um povo disse: ‘O Senhor é meu Deus’”. O próprio evangelista João afirma que através daquela fé, os seguidores de Jesus “têm a vida em seu nome” como escreveu na conclusão do seu evangelho (Jo 20,31).


A fé em Jesus vivo e ressuscitado consiste em reconhecer Sua presença na comunidade dos crentes, que é o lugar natural onde se manifesta e onde irradia Seu amor. Tomé representa a figura daquele que não faz caso do testemunho da comunidade nem percebe os sinais da nova vida que nela se manifestam. No lugar de integrar-se e de participar da mesma experiência, pretende obter uma demonstração particular. Não quer aceitar que Jesus vive realmente e que o sinal tangível dele é a comunidade transformada na qual agora se encontra. A comunidade transformada é agora importante: ela é o meio que as gerações posteriores terão para saber que Jesus vive realmente.


2.2.Fé e Felicidade


Bem-Aventurados os que creram sem terem visto”. Esta é a bem-aventurança do Ressuscitado. Crer, segundo o evangelho deste dia, é renunciar a ver com os olhos, a tocar com as mãos, a colocar dedo nas feridas do Crucificado para identificar o Ressuscitado. Crer é buscar e encontrar o Senhor, nosso Deus, na assembléia dos que crêem que Jesus é o Messias, dos que encontram nos sacramentos a vida que brotou da Cruz. Não conhecemos Jesus segundo a carne, não buscamos visões ou fatos extraordinários onde apoiar nossa fé. A felicidade que nos salva agora é a presença vivificante do Senhor que nos reúne pelo Espírito na Igreja onde não cessa de proclamar o evangelho e de partilhar o pão eucarístico. Cada domingo, cada dia somos felizes por este encontro com o Senhor.


A ressurreição, em tanto que é a verdade de fé, não é verificável fisicamente, vendo ou tocando: as verdades de fé são de outra ordem. Isto é entendido facilmente se pensamos que há muitas situações humanas nas quais o físico é insuficiente, como por exemplo, no amor. Crer não é saber menos ou com menos força. Crer é saber mais e mais profundamente. E ter fé implica compartilhar o que somos e temos “segundo a necessidade de cada um” conforme o Livro dos Atos dos Apóstolos (At 2,45), pois a fé cristã não consiste em afirmar verdades abstratas,e sim é ter vida e a vida supõe circulação de bens como enfatiza Atos dos Apóstolos. Somente a partir desta atitude é que podemos nos chamar de cristãos.


Na verdade, não precisamos mais de outros sinais ou aparições. É basta abrir o Evangelho para descobrir o sentido profundo da Palavra de Deus e crer em Jesus para ter a vida em abundância (Jo 20,31), pois Jesus é a maior revelação do Pai. Crendo, começaremos ver o mundo com olhos diferentes, começaremos a perceber sentido na proposta de Jesus. A fé produz um modo novo de ver, traz uma nova escala de valores. A carta de São João diz que a vitória que vence o mundo é a fé (1Jo 5,4). Essa fé é que dá força para viver a partilha, mesmo quando a sociedade vive de acumular e explorar o próximo. Não se pode viver em paz enquanto outros sofrem e têm carência do essencial. Não sobra espaço onde cada um só pensa em si. Crer em Jesus é apostar a vida naquilo que ele propôs, mesmo quando não vemos logo um resultado. Ele nos diz que seremos felizes se acreditarmos nele. Mas também nos convida a levar a outros essa capacidade de crer e viver o evangelho.


P. Vitus Gustama,svd

quarta-feira, 30 de março de 2016

02/04/2016




SER EVANGELIZADOR É SER IGREJA EM SAÍDA


Sábado da I Semana da Páscoa


Primeira Leitura: At 4,13-21


Naqueles dias, os chefes dos sacerdotes, os anciãos e os escribas 13 ficaram admirados ao ver a segurança com que Pedro e João falavam, pois eram pessoas simples e sem instrução. Reconheciam que eles tinham estado com Jesus. 14 No entanto viam, de pé, junto a eles, o homem que tinha sido curado. E não podiam dizer nada em contrário. 15 Mandaram que saíssem para fora do Sinédrio, e começaram a discutir entre si: 16 “Que vamos fazer com esses homens? Eles realizaram um milagre claríssimo, e o fato tornou-se de tal modo conhecido por todos os habitantes de Jerusalém, que não podemos negá-lo. 17 Contudo, a fim de que a coisa não se espalhe ainda mais entre o povo, vamos ameaçá-los, para que não falem mais a ninguém a respeito do nome de Jesus”. 18 Chamaram de novo Pedro e João e ordenaram-lhes que, de modo algum, falassem ou ensinassem em nome de Jesus. 19 Pedro e João responderam: “Julgai vós mesmos, se é justo diante de Deus que obedeçamos a vós e não a Deus! 20 Quanto a nós, não nos podemos calar sobre o que vimos e ouvimos”. 21Então, insistindo em suas ameaças, deixaram Pedro e João em liberdade, já que não tinham meio de castigá-los, por causa do povo. Pois todos glorificavam a Deus pelo que havia acontecido.


Evangelho: Mc 16,9-15


9Depois de ressuscitar, na madrugada do primeiro dia após o sábado, Jesus apareceu primeiro a Maria Madalena, da qual havia expulsado sete demônios. 10Ela foi anunciar isso aos seguidores de Jesus, que estavam de luto e chorando. 11Quando ouviram que ele estava vivo e fora visto por ela, não quiseram acreditar. 12Em seguida, Jesus apareceu a dois deles, com outra aparência, enquanto estavam indo para o campo. 13Eles também voltaram e anunciaram isso aos outros. Também a estes não deram crédito. 14Por fim, Jesus apareceu aos onze discípulos enquanto estavam comendo, repreendeu-os por causa da falta de fé e pela dureza de coração, porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”
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Todos os especialistas concordam que o texto lido neste dia foi acrescentado ao evangelho de Marcos posteriormente para preencher a ausência das aparições de Jesus após a ressurreição, as quais relataram os outros evangelhos e outros textos do Novo Testamento. A exegese moderna reconhece a canonicidade deste texto, mas nega sua autenticidade como o de Marcos. O próprio evangelho de Marcos termina em Mc 16,8. Esse acréscimo aconteceu ainda na época apostólico.
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O texto nos relatou a aparição de Jesus aos Onze discípulos que aconteceu durante a refeição. A refeição é o momento fraterno, momento de partilha durante o qual se estreitam os laços de amizade, de família e de fraternidade mesmo que a qualidade daquilo que se come e se bebe esteja longe de seu valor nutritivo. O momento da refeição é o momento sagrado. É o momento de dar graças a Deus pela terra, criada por Deus, que produz o alimento e pela colaboração do homem em cultivar a terra para produzir alimentos para todos. Por isso, a ausência de um membro da família é bastante sentida nesses momentos, especialmente nos dias comemorativos.


Um dos sacramentos instituídos por Jesus é, precisamente, o sacramento da “refeição fraterna” chamado a Eucaristia. É preciso que a nossa participação na Eucaristia reflita nossas refeições familiares e fraternas em nossas famílias e em outras ocasiões comemorativas. E que a Eucaristia da qual participamos reflita também nas nossas refeições familiares e na convivência mais fraterna com os demais.


Durante a refeição é que o Senhor deu aos Onze discípulos o mandato de anunciar a Boa Nova para o mundo inteiro (toda criatura): “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”.  O mandato de ir pelo mundo inteiro para evangelizar dado durante a refeição nos quer enfatizar que toda a atividade de evangelização deve ser feita no espírito de fraternidade e familiaridade, pois todos nós somos filhos e filhas do mesmo Pai celeste pela participação na filiação divina de Jesus Cristo que nos deu o mandato de proclamar a Boa Nova aprofundando nosso laço de fraternidade entre todos. Evangelizar, neste sentido, significa transformar todos em uma família cujo Deus é o Pai de todos. Consequentemente, todos são irmãos. Se todos são irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai celeste, logo ninguém pode explorar ninguém, ninguém pode prejudicar ninguém. Ao contrário, todos tem que ajudar todos. Um tem obrigação de proteger o outro. O livro dos Atos dos Apóstolos resume este pensamento nos seguintes termos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (At 4,32).  Essa harmonia de coração e alma é a manifestação do altruísmo sincero em que um se preocupa com a necessidade do outro. Isto supões a renúncia aos próprios interesses em função do bem comum. Graças aos Apóstolos chegou até nós a Boa Nova. E por nossa vez, devemos levar adiante a evangelização.


Os apóstolos são testemunhas da grande mensagem da ressurreição, e sua pregação está em torno da ressurreição do Senhor. E os apóstolos se defenderam com valentia diante do tribunal como lemos nos Atos dos Apóstolos. A fé e o contato cotidiano com a Palavra de Deus são capazes de transformar os mais humildes em homens valentes e seguros de si mesmos, como narra a Primeira Leitura de hoje e as Primeiras Leituras anteriores desta semana. É a valentia que nasce da liberdade da fé. Os apóstolos (acusados) eram gente simples e sem cultura, mas os homens seguros e valentes, intérpretes da Escritura e pregadores que passaram de acusados para acusadores. Não havia ordens nem ameaças capazes de os fazerem calar porque a força irresistível de Deus estava com eles. Os seus adversários se encontraram em nítida dificuldade ou em beco sem saída, e pretendiam ocultar fatos. Mas os fatos, como a cura do coxo (cf. At 4,13-21), falam ou se argumentam por si mesmos. Negar os fatos tão evidentes é considerar-se como mentiroso, cego ou manipulador, fruto de um autoritarismo e arrogância que por trás de tudo isso se esconde algum interesse pessoal ou coletivo, ou sente-se ameaçado nos seus negócios interesseiros. Mas quem vive no bem e do bem reconhece facilmente a presença da verdade onde estiver. Viver de acordo com a verdade é viver na liberdade e na leveza: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32). Quem vive de acordo com a Palavra de Deus vive na verdade e conforme a verdade. Mas a verdade é para ser dita com caridade a fim de ganharmos os outros para Deus e para o bem maior.


A exemplo dos apóstolos, não podemos mais calar. A força interior dos apóstolos deve nos impressionar para dar testemunho. Nem as ameaças, nem as humilhações nem as torturas podem nos parar no nosso testemunho. Nenhum cristão se venda em nome dos interesses financeiros ou posição. Valor de cada cristão é incalculável, pois o preço de cada cristão é o sangue derramado de Jesus na cruz.


Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”. O objeto último de nossa fé não é um fato verificável por uma investigação histórica. Isso até pode nos ajudar uma parte. Mas nossa fé é esta: damos testemunho de que hoje para nós e para toda a humanidade, Jesus vive na situação de Ressuscitado e já não experimenta as limitações da condição humana. Homem entre os homens, o Nazareno, como nós, via limitado seu universo por suas possibilidades de contato e de intercâmbio. Hoje, ressuscitado, Jesus supera as fronteiras humanas e geográficas. Jesus ressuscitado se encontra com todos os homens de todos os tempos em cada coração que ama. Ao confessar a ressurreição do Senhor damos testemunho de que tudo está sob o movimento do Espirito Santo, o Espirito que Jesus soprou para os apóstolos depois de sua ressurreição (cf. Jo 20,22-23).


Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”. Os Onze discípulos que saem para proclamar o evangelho pelo mundo são uns indivíduos duplamente culpáveis. São culpáveis de ter abandonado o Mestre durante a Paixão. São culpáveis também pela sua incredulidade depois da ressurreição, como relatou o evangelho de hoje: “Jesus apareceu aos onze discípulos enquanto estavam comendo, repreendeu-os por causa da falta de fé e pela dureza de coração, porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado”. Mas Deus sempre nos surpreende. Como se Jesus Ressuscitado não quisesse saber mais o passado dos discípulos, pois precisamente para estes discípulos culpáveis é que Jesus dê este mandato: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!”.  É levar a mensagem que não pertence aos discípulos, mas pertence a Jesus Cristo. Como se jesus dissesse a eles: “Não percam mais tempo. Agora saiam para levar a boa Notícia para os outros. Para o mundo inteiro!”. Isto significa que eles devem se apoiar totalmente em Jesus Cristo permanentemente para ser fieis à mensagem do Senhor. Se não se apoiar em Jesus Ressuscitado acontecerão novamente a traição e a incredulidade. Quem prega não é porque seja melhor e mais inteligente do que os demais e sim por reconhecer-se pecador que recebeu o perdão de Deus e por ser incrédulo que foi libertado da incredulidade.


 Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura”. Pregar é o dever da Igreja. Isto quer dizer que é o dever de cada cristão. Cada cristão tem dever de transmitir a história da Boa Nova de Jesus para todos os que nunca a ouviram ou ouviram muito pouco. O dever do cristão é ser o mensageiro de Jesus. Cada cristão é, então, o mensageiro de Cristo neste mundo. E cada cristão tem que usar todos os meios ao seu alcance para propagar a Palavra de Deus: homilia, catequese, meios de comunicação, literatura, arte, festas e convivência. Mas é o anúncio respeitoso, sem impor, mas convidando; sem ameaçar, mas ofertando a salvação que liberta.


São Francisco nos aconselhou com as seguintes palavras: “Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com as palavras”. A atitude, o testemunho de vida, as obras precedem as palavras no anúncio do Evangelho. No anúncio, nossas palavras não podem ultrapassar nossas ações ou nosso testemunho de vida. Um provérbio latino diz: “Verba movent, exempla trahunt” = “As palavras movem, os exemplos arrastam”.  “A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8)”. (Documento Aparecida no.145).


Para todos os evangelizadores o Papa Francisco na sua exortação (Evangelii Gaudium: EG) escreveu: «Na doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais. Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isto é, definitivamente, a missão. Consequentemente, um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo”. (EG 10) ... “Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos emestado permanente de missão’, em todas as regiões da terra... O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos... A Igrejaem saída’ é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido... Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças.” (Evangelii Gaudium n 25.46.49).


Peçamos ao Senhor ressuscitado, pela intercessão de Nossa Senhora, Estrela da Evangelização, que nos conceda a graça de ser obedientes à missão que nos confiou de anunciar seu Evangelho e de passar nossa vida aqui na terra fazendo o bem a todos a exemplo do Senhor Jesus (cf. At 10,38).


P. Vitus Gustama,svd


Para Refletir: Documento Aparecida (DA) da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe


·        “Ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24,46-48). Por isso, todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo, que o vincula como amigo e irmão. Dessa maneira, como ele é testemunha do mistério do Pai, assim os discípulos são testemunhas da morte e ressurreição do Senhor até que ele retorne. Cumprir essa missão não é tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã, porque é a extensão testemunhal da vocação mesma (DA 144).


·        Quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas é compartilhar a experiência do acontecimento do encontro com Cristo, testemunhá-lo e anunciá-lo de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf. At 1,8). (DA 145)


·        Bento XVI nos recorda que "o discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus irmãos. Discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda: quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que ele nos salva (cf. At 4,12). De fato, o discípulo sabe que sem Cristo nãoluz, nãoesperança, nãoamor, nãofuturo". Essa é a tarefa essencial da evangelização, que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica libertação cristã [DA 146] (Documento de Aparecida da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe,).

20/03/2024-Quartaf Da V Semana Da Quaresma

PERMANECER NA PALAVRA DE JESUS QUE LIBERTA PARA SER SALVO DEFINITIVAMENTE Quarta-Feira da V Semana da Quaresma Primeira Leitura: Dn 3,...